domingo, 18 de setembro de 2016

Texto falando de poema - João Evangelista Rodrigues



"não procure o poema nas academias de letras
de qualquer estirpe
nos manuais escolares de literatura brasileira
ele não está
com exceção dos comportadíssimos desarranjos verbais
poema é objeto inútil
mas que saca-rolhas
em festinhas de aniversário
não encontrarás poema de verdade
nas aulas de protégés
não soa bem
aos ouvidos mal amados
de professora idoletrada
nos suplementos literários
só os eleitos da elite antiliterária
só por descuido do editor chefe
jornais comercias não jogam tinta fora
não gastam espaço com poetas vivos
melhor anunciar perfumarias
calcinhas
gargantilhas
adereços femininos
em lojas de departamento
monografias dissertações
teses de doutorado
não são lugar para tesões
luares para poemas luminosos
alimentam-se os doutos
de razão caduca
de dúvida sem método
de cadáveres dissecados
submissos ao cânone da câmara mortuária
o poema escapa ao estatuto
ao tédio das Universidades
ao ritual linguístico das Faculdades de Letras
não há história decente
na recente Literatura Brasileira
não há literatura nacional
não há autor
inocente e probo
apenas redator de signos descarnados
desencantados todos com a palavra Liberdade
não me procurem nas tertúlias literárias
nas igrejas e capelas de fardões
de receitas restritivas
não me procure no poema abençoado pela crítica onírica e enfadonha
entre flores e cartões de velório
dorme o notório o inodoro poema
sem leitores
não prenuncie
não profane meu insano nome em vão
sem literatura e sem poema
a vida transcorre mais tranquila
sem sobressaltos e interrogações
nem por isso mais feliz
a literatura não vai bem
se o país vai mal
se os escritores não se entendem
os delatores se vendem
e os poetas se rendem
às exigências do mercado
não há encontro marcado digno de celebração".

Memória da Infância - Geraldo Abdala


 Textos, como esse,  de doces recordações da infância, são imperdíveis. Não resisti sem compartilhar...
Martha



Passou uma memória da minha infância por aqui.
Disfarçada no desejo de tomar vitamina de abacate com banana e leite, e comer rosquinha de nata, que minha tia Lourdinha fazia.
E sentar na porta da casa, olhando a chuva cair.
Com os pés descalços.
De calça curta.
Tudo era tão desimportante.
E ao mesmo tempo era gigantescamente significativo.
Eu não tinha relógio.
Mas sabia que o tempo passava bem devagarinho.
Talvez pra não deixar perder o gosto da rosquinha.
Pra que essa pressa toda agora?
Tia Lourdinha já não há.
Rosquinhas de nata já não posso.
Nem a vitamina.
E tudo tem uma importância tão grande.
Que eu mesmo nunca dei.
A chuva também, cai tão pouco.
Os pés sempre calçados.
Seriam cansados?
Meu Deus, pra que tanta pressa?
Por que não trocar essa ligeireza do tempo
Por rosquinhas de nata, por vitamina de abacate?

*Geraldo Abdala, o Tuaregue.

Matozinhos - Martha Tavares Pezzini

     


Lembrando Matozinhos
Martha Tavares Pezzini

Matozinhos,
cidade que habitou meus sonhos,
há tantos anos...
Era pequena, acolhedora,
alegre e encantadora.
Recanto calmo, feliz, cheio de graça
e uma igreja majestosa,
do Bom Jesus, a abençoar
sua linda praça.
De mim, matozinhense, é uma parte!
Lá vi nascer meus amores,
Muitas lutas, vitórias, dissabores...
Aceitação, rejeição, dor e alegria,
Tudo isso lá vivi, um dia!
Pessoas amadas,
não é possível esquecer...
Mas, não é isto, o viver?

    Trabalho do artista matozinhense, Geraldo Roberto da Silva