terça-feira, 16 de maio de 2017

Escritores esquecidos, desmazelo cultural - Valdivino Braz


Perambulando e pesquisando deparo com esse artigo. Sendo uma interessada no assunto e admiradora do inesquecível Nilto Maciel, cheguei ao Valdivino Braz. Esse artigo foi publicada há algum tempo. Mas nada mudou de lá para cá. Peço licença ao Valdivino para dedicar a postagem do seu trabalho, primeiramente, claro, a ele; em segundo lugar ao Nilto Maciel que tanto batalhou por esse tema e em terceiro lugar ao Rogério Zola Santiago, outro batalhador. 
MTP
Escritores esquecidos, desmazelo cultural.
Autores ignorados pela mídia, editoras e academias motivam pesquisa no Ceará
 Valdivino Braz
Especial para o Jornal Opção

“Você conhece Moreira Cam­pos? Já leu al­gum livro de­le?”. De Fortaleza, Ceará, recebo, por meio de e-mail, estas perguntas do amigo e primoroso escritor Nilto Maciel, imbuído de oportuna, pertinente pesquisa “para mostrar o quanto ignoramos nossos escritores menos divulgados pela mídia, pela Academia, pelas editoras, etc.” Com efeito, agora que se apruma a questão, volta-nos à memória o nítido nome de Moreira Campos, a exemplo de outros que vão sendo insidiosamente esquecidos ou simplesmente ignorados.

Aponham-se o débito editorial, a omissão das Academias de Letras e outras instituições (universitárias, inclusive) ou entidades culturais, como (sejamos francos) a UBE nacional e suas seccionais, além dos próprios escritores, ocupados consigo mesmos, zelosos de suas “carreiras literárias”, senão que apenas indiferentes à questão dos colegas na berlinda ou carruagem do tempo. A saber-se até onde sobreviverá a memória literária sob a tutela dos confrades. E como acudir a todos, a tantos, a quantos, na poeira do tempo, nos desvãos da desmemória?

Claro, há o fator tempo, os anos que passam e germinam o musgo ou a pátina do esquecimento, a par com o volume de valores emergentes e também o enxurro e a mesmice de obras de baixo teor ou mediana qualidade, nacionais e estrangeiras, que incrementam a dinâmica do mercado editorial e alimentam-lhe a ganância. Frenéticas, as editoras exploram o filão e abocanham o lucro, impondo aos autores nacionais as suas míseras condições de acolhida e comercialização.

Mas há, sobretudo, um certo desmazelo cultural no País, inerente ao resgate de autores valiosos, de ontem e de sempre. O descuido, a negligência, a ignorância. E quase ninguém se manifesta a respeito, não se faz nada de produtivo e necessário neste âmbito cultural, daí a pertinência da iniciativa de Nilto Maciel. Não deixa de ser também um gesto solidário, por solitário que seja, entreabrindo a cortina do silêncio e da empoeirada e surda indiferença.

A pesquisa de Nilto começa por sua terra-natal, o Ceará, com Moreira Campos, e bem sabe ele da extensão do problema a outros estados brasileiros. Uma certa mídia por vezes sacana (canalha, mesmo), de alguma forma irresponsável, babujando (babando, corrompendo a noção de valor) sobre obras-abobrinhas, chinfrins, ou meras e momentâneas mercadorias, de rápido consumo. Supervalorizando algumas baboseiras estrangeiras, entretenimento de cunho imediato, feito “fast food” (Coma!, coma!), sobretudo para o ingênuo consumo jovem ou de um público desinformado, desprovido de senso crítico, até beirando o ridículo. Entupidos de “comida” do entulho “cultural” alienígena, já não bastasse o entulho doméstico, e comporta(mentalmente) idiotizados por maneirismos estereotipados, numa repetida forma de fuga ao natural de si mesmos.

Coisas da indústria cultural de massa (como se diz) e de entretenimento, (re)pasto para o rebanho automatizado, movido a gasolina, adrenalina, estrogênio e testosterona. Ops!, que agora estou extrapolando, e me desculpo, que a coisa também não é bem assim,  sendo até “natural” que seja como é, e já também por termos sido (nós, os antigos) o  que hoje nos desagrada ao olhar. E o que vemos? Espelho, espelho meu, como você é feio! Franqueza honesta, como essa agora, não faz mal a ninguém. E por ser assim a “naturalidade” das coisas, tais como são, imagine-se se aqui eu começasse a falar de outros tipos de “combustíveis”, nefastos estimulantes à degradação, e maior o problema social, o contingente humano à míngua de assistência do poder público. Bem entendido, seria uma droga que eu assim falasse, pois não? Mas é disso que estou falando! (das drogas), e não estou copiando bordão de comediante “stand up” na TV, que já copiou de outros, possivelmente de algum filmeco norte-americano.

Por outro lado, amesquinha-se a mídia provinciana e já não divulga (ou divulga mal, até subestimando) os escritores emergentes, de qualidade promissora. E novos autores ou aqueles que vão se firmando com a literatura, ainda enfrentam a humana pequenez de uma gente miúda (da mídia impressa e televisiva), que se pauta por meras idiossincrasias e boicota a divulgação. A média, a mídia, o meio, a medida, à média luz. Os diversos meios de comunicação e difusão sociocultural, aos quais se agrega a frenética informação digital. A Rede. Ou pega-moscas?

Editoras há tão-somente esfomeadas por novidades de momento, ávidas de lucro (certo, estão no ramo e não vão perder a oportunidade), e por aí relegam ao limbo boa parte da nossa riqueza literária. E ainda as Academias de Letras, confrarias girando em torno dos próprios umbigos, sem maior zelo pelo acervo literário de qualidade — sem falar que, lamentavelmente, acolhem como membros algumas pessoas pouco recomendáveis ou representativas (políticos de caráter nada ilibado, por exemplo), e até bruxos escritores de pastiches, com mercado garantido, em detrimento de literatura mais qualitativa.

E por acaso se pensa que esse público que mal lê e essa parcela de juventude alienada estejam se importando com isso? Estão se lixando, como de praxe. Mesmo porque os tempos são outros, e os escritores em questão são antigos, alguns dos quais não serão resgatados, infelizmente. Permanecerão lá onde se encontram, no limbo, de fato ignorados, esquecidos ou pouco lembrados. Oh, tempos! Oh, costumes, diria Cícero, que foi degolado e cuja cabeça e mãos foram expostas na tribuna do Senado de Roma, do qual era porta-voz. Morto a mando do cônsul Marco Antônio, seu rival político.

Já por primeiro, o governo de cada estado, bem como o Ministério da Cultura, têm parte na cadeia de omissões para com os escritores esquecidos, ou não? Ocorrem-me, a propósito, nessa questão de resgate literário, aquelas antigas publicações ou co-edições de livros pelo INL, ou também não? Imperativo o resgate e cultivo de autores como Campos de Carvalho (da Academia Cearense de Letras) e tantos outros de bom quilate e calibre, todavia olvidados.

Particularmente meio que enfarado com o enxurro e mesmice atual — ressalvadas as exceções —, e mais seleto com as leituras, venho buscando os sebos, (re)adquirindo obras e retomando leitura de alguns autores que aprecio, tais como José Condé, Adonias Filho, Ricardo Guilherme Dicke (acabei de resgatar o romance “Caieira”, edição antiga), Herberto Sales, Hermilo Borba Filho, José J. Veiga (contos de seus dois primeiros livros, que eu não tinha mais). E (acredite!) somente agora adquiri e vou ler o premiado romance “Emissários do Diabo” (edição de 1974) do pernambucano Gilvan Lemos; também dele, e com tamanho atraso, intento encontrar a novela “A noite dos Abraçados”, pelo menos. Estou em busca de reaver obras de Valdomiro Silveira, Autran Dourado e outros nessa linha do meu agrado. E agora que Nilto Maciel buliu no baú, sairei a campo(s) pelas obras de Moreira.

Deste autor cearense (traduzidos para o inglês, francês, alemão, italiano e hebraico), já uma vez, há décadas, tive em mãos o livro de contos “O Puxador de Terço”, que pretendo reaver. Sei de outros títulos de sua autoria, também em volumes de contos, como “A Grande mosca no copo de leite” e “Dizem que os cães vêem coisas” — aprecio títulos assim; a arte de um livro começa pelo bom título, chamariz para a leitura, sobre uma capa igualmente sugestiva. Além dos títulos já citados, interessa-me ler “Vidas Mar­ginais” (1949), primeiro livro de Moreira Campos, e daí “Portas Fechadas”, “Vozes do Morto”, “Os 12 Parafusos”, entre outros. Bem se vê que Nilto Maciel levanta a lebre dos autores ignorados, como também da literatura esquecida, e não para que seja morta, como nas caçadas, mas sim para ser revivida, e não também que esteja morta, estando viva. Um tiro certeiro, digamos assim, de Nilto Maciel. No alvo da acomodada consciência cultural brasileira.

Como tema para reflexão, fecho este arremedo de ensaio com as palavras de Gilvan Lemos, que dizia não deixar Recife por dinheiro nenhum do mundo, a não ser que fosse para voltar ao São Bento do Una, que ele tinha como o seu paraíso: “Tenho amigos escritores, mas não faço vida literária, isto é, não pertenço a nenhum ´grupo´, nenhuma academia, não tenho coluna em nenhum jornal etc. Prefiro criar canários de briga.”

É isso aí, creio. Publique-se e dê-se livre trânsito pelas cidades, a quem interessar possa.
Valdivino Braz é jornalista, escritor

quinta-feira, 4 de maio de 2017

O Labor Poético - Matusalém Dias de Moura

 Muito útil para os que já poemizam e para os candidatos que sentem o chamado da Musa!
MTP

O LABOR POÉTICO
Depois de muito estudar a arte poética, quase sozinho, autodidaticamente, e de praticá-la bastante, aprendi que o aspirante a poeta, antes de começar a escrever e publicar seus versos, precisa ler e reler, muito, os grandes mestres da divina arte da poesia, os clássicos e os modernos, para, de fato, a partir daí, se iniciar nos meandros e mistérios dessa sublime - mas difícil - arte e se intitular poeta.
Ler poemas de diferentes formas, em voz alta, também é imprescindível na formação do poeta; é uma espécie de prova por que passa o candidato, no permanente aprendizado das formas, ritmos e medidas dos versos.
E, para isso, é preciso, pois, ter sempre ao alcance das mãos, e dos olhos, uma boa coletânea de poemas para, nos intervalos da luta pela sobrevivência, usá-la, lendo-a, recitando-a e estudando-a.
Além de constante leitura da grande poesia, também é aconselhável ouvir muita música o máximo de tempo que puder, se possível o tempo todo, com atenção: música popular, clássica, erudita, jazz, rock etc. É que a música ajuda a educar os ouvidos, ensina-nos o que é o ritmo.
A música instrumental, de boa qualidade e bem trabalhada é, a meu ver, a melhor para treinar os ouvidos do candidato a poeta. A mim, pessoalmente, me ajudou, e ainda me ajuda, muitíssimo, a dar ritmos a meus poemas.
Mas não basta só isso para se compor um bom verso, um poema de alguma qualidade literária.
Depois de algum tempo de aprendizado, lendo os grandes poetas, ouvido boas músicas e rabiscando os os primeiros versos que lhe vem à mente, num jorro de inspiração, faz-se necessário, ao poeta, suar a camisa, transpirando o máximo possível, como em qualquer outro trabalho, reescrevendo o texto, inúmeras vez, durante um prolongado tempo, às vezes semanas ou meses, com lápis e borracha na mão (hoje, computador), escrevendo, apagando tudo e escrevendo, novamente, até se chegar a um poema de razoável valor literário, isto é, que contenha boa poesia.
O poeta gaúcho Joaquim Moncks, em um curto trabalho de crica literária, nos adverte que "o que faz o poema ser poesia não é a inspiração e, sim a produção final do segundo momento, o da transpiração".
Comigo acontece assim: sempre tenho que trabalhar muito as palavras, amansando-as e ajeitando-as em seus corretos lugares. Só depois de um duro trabalhar, longo e persistente, é que abandono a feitura do poema, porém jamais o dou por terminado. Sempre que o releio, acrescento ou suprimo algo.
(Matusalém Dias de Moura)