Carta de Márcio Almeida a Paschoal Motta:
Uma análise da desvalorização vivida pelos escritores
que “já foram premiados, serviram de exemplo e dignificaram o Estado.” Ainda, a
preocupação com a possível extinção da
Literatura num futuro não muito distante
MTP
Meu caro
Paschoal,
NÃO PANFLEITEIE IDEOLOGIA,
NÃO HOLOGRAFE EM ATARI,
NÃO LOVERSONHE AS MARAS,
NÃO PALAVRE: SIGNATARI. (Márcio Almeida, Assassigno, 1987)
Em homenagem
ao Décio Signatari, para quem o poema é o designer da linguagem, que
conheci em evento, quase um fracasso absoluto, em Bh, juntamente com
Carlos Ávila, que também perdeu o pai faz pouco tempo,
escrevi a quadra acima, inclusa no Assassigno, cujo revival agora está de volta
na publicação Leituras
Indesejáveis, que você receberá esta semana.
Outro dia você me enviou um e-mail que também me deixou um tanto perplexo. É
que as pessoas boas vão morrendo, os jornais mal e porcamente registram e
rapidamente caem em profundo esquecimento quando não no silêncio cínico, caso
dos nossos Henry, Adão, Duílio,
José Afrânio e tantos outros que se vão e pronto. E assim será, com toda
certeza, também conosco.
Temo por absoluto ostracismo em menos de uma década após a nossa morte. Meus
filhos nunca me perguntaram o que estou produzindo, nunca leram artigo meu
publicado em jornais, não conversam comigo sobre Literatura, nunca me
perguntaram sobre a qualidade de um livro que lêem. Amanda já anunciou que
quando eu morrer vai dispor da minha biblioteca em dois tempos: a chegada e a
saída do caminhão para doar tudo para uma entidade. Isto, comigo. Não tenho
referência se existe uma biblioteca com o nome do Adão que o reverencia, idem
com o Henry e assim sucessivamente.
O neoliberalismo com sua forçada equiparação "por baixo" faz com que
as pessoas se achem todas no mesmo nível e assim todas se dão o direito de
serem rigorosamente iguais em tudo. Dia desses quase rompi com um amigo porque
ele estava espalhando via internet que para produzir mini conto o conhecimento
da gramática era inútil, desnecessário. Sou pessimista em relação à
sobrevivência da Literatura no futuro-já, mormente com a expansão do tablet e
você lerá eu já tratando do assunto
em Leituras Indesejáveis.
As pessoas (bem menos do que hoje) continuarão lendo, mas textos curtos,
impactantes, encomendados. O que chamamos de Literatura tornar-se-á cult, arte
devocional de apreciadores muito especiais. É um palpite.
Sem uma Sociedade dos Poetas Mortos, sem uma Sociedade que se nos lembre a
todos, indistintamente, além de virarmos pó, nossos nomes serão apagados
de quase tudo. Seremos lembrados historiograficamente: ou porque, no seu caso,
foi editor do SLMG (Suplemento Literário do Minas Gerais), ou porque foi
professor de uma faculdade em DV, ou porque nasceu em São Pedro dos Ferros
e construiu uma biblioteca. Quantas pessoas se lembrarão de um poema nosso? E
quando essas pessoas morrerem? Lembra-se do filme Farenheit 451, do François
Truffault? Não é à toa ser ele um dos meus prediletos. Sou mesmo
veementemente contra academia, mas ela tem uma vantagem: respalda vida e obra
dos autores; conserva sua memória. vira e mexe, traz à tona o legado daqueles
que realmente têm valor.
Outro dia li na Folha de S. Paulo que amigos cariocas do Bartolomeu Campos de
Queirós iam prestar homenagem a ele no Rio, com exibição de documentários,
exposição de suas obras etc. Está claro que sua morte ainda é recente, mas foi
lembrado. Dinorah Maria do Carmo me enviou e-mail ontem à noite convidando para
a leitura de poemas de Bueno de Rivera em Santo Antonio do Monte, que também
está sendo lembrado.
Na minha opinião o que falta é mesmo uma entidade que preserve a memória dos
autores, não os permita serem esquecidos, os mantenha vivos para os
pósteros, pois em vida foram lidos, premiados,
serviram de exemplo, dignificaram o Estado.
Abraço - Márcio Almeida
TEMOS, Márcio,
muito que fazer nesse preservar a presença ativa de nossos poetas. HÁ MUITO que
fazer para divulgação de poemas de qualidade. HÁ MUITO que fazer e
principalmente pela humanização da Poesia Escrita começando com a retomada do
lirismo.
VOU repassar seu
texto.
PASCHOAL MOTTA