domingo, 28 de agosto de 2022

Cântigo de Fogo - Geraldo Reis

 

CÂNTICO DE FOGO
Geraldo Reis

O Juízo Final é um pássaro cego 
cravando seu canto de fogo na pupila branca de Deus
que em vão se esquiva
e no corpo do homem 
que inerte 
não se abala.

O Juízo Final teme que os peixes e as plantas
não boiem depois de mortos
por força de alguma desconhecida serpente
ou de algum demiurgo
criado a partir do pensamento da hidra.

O Juízo Final semeia a ferida
que há de preencher os espaços da vinha
           e de envolver os cântaros
a ferida que há de dissipar a memória 
da água e da sede
e da febre, que era alumbramento.

O Juízo Final conduz pelas mãos
um crepúsculo saído do ventre fundo de Deus
e abre um caminho novo em direção à aurora
que se fez carne a partir de um bocejo.

O Juízo Final comparece em pessoa ao julgamento de Deus
diante do pântano, das trevas e do abismo
que foram a matéria-prima de que ele fez o homem.

O Juízo Final espreme o olho de Deus
que expele inéditos pombos da morte
fatais e devoradores
e frios como cubos de gelo.

O Juízo Final pedala
embora rupestre
uma roca
e tece o destino dos justos
diante de um Deus que pede um copo d’água
vendo que toda  sua obra resultou num deserto.

O Juízo Final, de corpo e alma,
celebra a irreverência dos vermes,
que não se deixam abater,
ao contrário, 
se reproduzem com apetite voraz,
vendo a morte definitiva de Deus e do homem.

O Juízo Final põe fim à obra prematura de Deus
e lava as mãos na fonte luminosa

que brotou da maçã triangular de seu olho.

 

 

2 comentários:

  1. Eu estou passando , mais uma vez, para registrar minha satisfação, meu muito obrigado pelo destaque no seu conceituado espaço. Gosto muito desse poema. Você acertou em cheio na escolha. Bem observado, o quanto ao Juízo Final, esse "pássaro cego" que tem á seus super poderes. Pensando bem, esse reflete a realidade.

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  2. Não encontrei ainda o poema JOGAR BRIDGE, de minha autoria, que você, tenho certeza, me disse ter colocado no seu blog.

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