Córrego |
Príncipe D'água |
Do outro lado
“Meu quintal foi meu parque, minha Disney, sem tecnologia, sem brilhos, sem luzes; só contava com a imaginação e a fantasia.” MTP
No fundo do meu quintal, mais especificamente, do outro lado da cerca, ficava a área de acesso restrito. Era onde corria o córrego e onde havia uma vegetação diferente daquela com a qual eu convivia e “estudava”, nos limites da minha área. A mim, tão pequena, parecia ser um outro mundo que raramente eu visitava. Esse mundo se elevava do outro lado, crescia e se transformava nos “montes cobertos de verde”, para mim. Para minha mãe, era apenas um pasto, do Tio João Torres, coberto de capim com alguns matos e arbustos. Tendo sido por muito tempo a paisagem que meus olhos contemplavam diariamente, figura na minha história como o cenário que me viu crescer pensando, imaginando, fantasiando, questionando e ao mesmo tempo me encantando, tudo isso imerso na minha fantasia. Lá na divisa do horizonte estava a grande incógnita: o horizonte. Limite? Continuidade? Infinitude? À aproximação do visível, outra linha se descortinava...
Voltando os olhos para o chão, lá estava o córrego que nasceu de águas puras e cristalinas e teve seu destino mudado em consequência da chegada do homem e da crescente população em sua volta. Tornou-se, aos poucos, o depositário dos entulhos e detritos de toda espécie. Na ausência de saneamento acabou esgoto ao céu aberto e suas águas contaminadas. Ainda assim, nele a vida lutava bravamente. Podíamos ver os peixinhos nos trechos menos entulhados e plantinhas aquáticas de rara beleza como o Príncipe d’água. Naqueles momentos, ignorando a dura realidade, tinha dificuldade de entender por que nos proibiam de colocar os pés em suas águas. Detinha-me apenas a apreciação daquela nesga de beleza que estava ao alcance dos meus olhos. Havia ainda o atrativo da vegetação de suas margens, principalmente as luxuriantes samambaias, extranhas a mim, por não fazerem parte do meu catálogo quintalesco. Pobre córrego, pobre de mim e das crianças que foram privadas de grandes alegrias e brincadeiras naquelas águas.
Martha Tavares Pezzini
BH, 12 de abril, 2021
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