quarta-feira, 21 de abril de 2021

Tiradentes - por Paschoal Motta

 

Por Paschoal Motta

TIRADENTES CONTINUA VIVO E FALA - Paschoal Motta: Este 21 de abril é da celebração dos 229 anos do enforcamento no Rio de Janeiro, do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, chamado Tiradentes (1746-1792), condenado como o principal envolvido no movimento político conhecido como Inconfidência. Os conjurados se reuniam na antiga Villa Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, para planejar o Brasil livre da dominação portuguesa. O Alferes Joaquim José da Silva Xavier é celebrado o protomártir, sacrificado pelos ideais da democratização do Brasil, contra o absolutismo ditatorial então vigente.

 

(.................................................................................................................)” Pisando pedras das ruas, dos becos, das praças de Villa Rica, trotei remoendo meus remoques por tal desabusada dominação; ia indo, ia vindo, na luz do dia, breu noturno, debaixo das estrelas do firmamento, nos empoeirados, nos lamacentos caminhos das Minas, de a pé, de a cavalo, com o tinir de esporas das botas, com violência de minha palavra, sem esmorecimento. Cavalgava no estalo, faísca do rompão de ferradura de meu Machinho Rosilho, eu, o Corta-Vento, o Atroado, com aviso de esquina em esquina, pousada em pousada, no urdir levante de restaurar o País. Nisso tudo, ahhh, o cochilante sussurro de prateado corguinho, barrosa água dos rios entornando de cheios; bicho, passarinho, calor, frio, sol, chuva, campo, mata, baixio, montanha, roçado, gado, engenho, mina, faisqueira, bateação, dança africana, reza índia, feitiço português, riso, choro, labuta. Uma inteira nação, por tal espraiada beleza, opulenta riqueza, repete, entoa, mesmo nesta atual dificuldade; em coro no coração, cantilena de esperança desta tamanha lindeza da terra brasileira; ainda cantam, choram, lá fora, numa esperança sem esmorecimento. Quem haveria me censurar pelo acalanto desses projetos? Agora, sei: diversos. Crescia, floria um amor em mim; flore, eu sempre menino, desassisado de maldade, afastado de vingança. Mas, agora, imagino, calculo razão desta insopitada ojeriza contra gana de sem fim riqueza por parte dessa gente de endurecido peito, pedra no coração; agora, enxergo, desanuviado, impiedade de uns sem delícia de bondade, olhar sem lágrima, coração sem soluço. Coração humano carece chorar; igual, rir. Chorava no puro encantamento, no passo de cada viagem, pelo que arquitetava, na pregação pelo bem comum. Solucei de dia, de noite, no sem sono do calado recolhimento, ermo de mata, distante dos homens, no invento meu duma máquina purificadora da podridão neste País. Logo eu, um pobre, atroado alferes em emperrada carreira, um tirador de dente, um mascate, um curador com mezinha, um raizeiro, um engenheiro de merda, um louco, um preterido, um olhado de soslaio pelo poderoso. Em tempo algum deixava de parar, escutar, com máxima atenção, desvalido, doente, esfomeado, surrado, escorraçado, essa casta de sem nome, sem destino; dessa raça de esfalfado em eito de roça, de sufocado em buraco de mina, de rebentado em ponta de chicote, humilhado; do passado dia inteiro dentro d’água na cata de diamante; de virgem violentada, abandonada; de mulher enganada, de mulher prenha e largada ao deus-dará, de mulher sem carinho, de criancinha no frio da madrugada, de criancinha esfarrapada, esfomeada; todos entregues ao sem destino de um clareado amanhã. Saía de tal meditação resoluto, obstinado, com sangue fervendo. Eu não penso sozinho; imagino, calculo, falo no sentimento, com este coração. Mais vou, sonho: apronto daqui a horas, lá no cadafalso, descuidando um instante a guarda, num átimo, solto no vento para ouvido de cada qual lá presente, onde bater eco de grito, seja uma última sílaba, solto esta teimosa voz, mais atroada que antes: sois todos escravos em nossa própria nação! Torna o canto do galo sozinho; dos dele, já, em cadeia, enfileiram canto, num emendado de inveja. Ahhh, assim praticassem desta forma as pessoas deste País.” (.........................................................................................................................) (Trecho de EU, TIRADENTES, Paschoal Motta, 3ª. Ed. Lê, esgotada, 1997)

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