quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Mini conto: Uma noitada Inesquecível

 

     Uma noitada inesquecível – Mini conto

           Grace e Daniel eram namorados, no início dos anos 60, os chamados anos dourados, quando os namoros seguiam o ciclo: namorar, noivar, preparar o *enxoval e casar. Se casavam virgem ou não, não vem ao caso.  Isso era uma opção geralmente, da moça.

           Tanto Grace quanto Daniel moravam no interior, mas em cidades diferentes e distantes. A cidade de Grace era muito pequena e por lá quase nada acontecia. Seus moradores viviam calmamente contagiados e acostumados com o lento desenrolar de um tempo que parecia ter preguiça de correr e apenas passava. A estrada de ferro era sua maior ligação com o progresso, principalmente com a capital do país, o Rio de Janeiro o que facilitava o contato com a Cidade Maravilhosa, capital do país. Entretanto a maioria dos jovens interioranos visitavam sempre que possível, a capital do Estado, Belo Horizonte, para passeios, programas diferentes, como ver filmes mais recentes, que demoravam chegar até suas cidades. O maior interesse das moças eram as compras pessoais de roupas e acessórios de “última moda” que viam nas revistas.

            Grace tinha muitas amigas que eram companhias certas para diversões. Entretanto, Beth era a que tinha mais afinidade com os gostos e ideias de Grace. Daniel também tinha sua turma de amigos em sua cidade que era localizada bem próxima a capital e sempre que Grace ia à Belo Horizonte, Daniel aproveitava para se encontrarem, ir a cinemas, jantar em restaurantes, pizzarias e lanchonetes, entre outros passeios.

              Grace e Beth estavam com viagem marcada para a capital e sempre que se encontravam o tema da conversa girava em torno disso. Numa dessas tardes em que as duas jovens faziam mil planos, Beth disse à Grace:

                  - Você não acha que seria divertido se Daniel convidasse algum dos seus amigos para sairmos juntos quando estivermos em Belo Horizonte? 

                      - Adorei sua sugestão! Será muito bom você conhecer alguns amigos dele. Tenho certeza que será muito agradável estarmos juntos! Irei comunicar logo com Daniel e acertaremos os detalhes - respondeu Grace, toda animada.

                    E continuaram falando dos preparativos para a viagem já acrescentando alguns detalhes para o novo programa que nem sabiam ainda qual seria.

                    O contato feito com Daniel já tinha resposta falando que levaria dois amigos. Grace e Beth se hospedariam na casa das primas de Beth que certamente lhes dariam sugestões para escolha de um local da moda e uma delas integraria o grupo. Assim, duas garotas iriam conhecer dois amigos do Daniel no tão esperado programa da night belorizontina. E as meninas viajaram, cheias de planos e total expectativa.  Já na casa das primas, muita conversa, assuntos de jovens passando por namorados, música, moda e claro a discussão de onde queriam ir.         

                   - Se vocês querem uma novidade, a "Coruja" é uma boite inaugurada agora e está no auge. Ainda não conheço. O que acham? – disse Olga, uma das primas.

                  - Nós não conhecemos nenhuma. Vamos pela sua sugestão! Tudo para nós é novo! – Respondeu Grace.

                  No dia marcado as meninas não se continham, tamanha a curiosidade sobre o encontro e a tal boite. Não sei como são os homens, mas três garotas se preparando para sair e conhecer rapazes é o maior ti-ti-ti. Lavam os cabelos, pintam as unhas, colocam rolos, escolhem a roupa, capricham na maquiagem escolhem os adereços, o perfume. Levam horas nesse ritual, que muitas vezes é o melhor da festa. Claro, que tudo isto acompanhado de muitos comentários e aquelas brincadeiras e risos próprios da juventude.

                Enfim, o esperado encontro à entrada do prédio. Após as apresentações as jovens sugeriram o que já havia sido escolhido: uma boite da moda. Táxis foram chamados e seguiram para a alegre noitada. Divertiram-se, tomaram alguns drinks, dançaram e tudo correu perfeito para a felicidade de todos.

               Em tempos em que os cavalheiros eram quem pagava as contas  os rapazes do interior foram surpreendidos pela soma da nota. Ainda não havia cartão de crédito, nem celular. Tudo correu bem, a conta foi paga na maior elegância. Só faltava deixar as meninas em casa, de táxi, o que fizeram se despedindo sem dispensar um dos veículos.

              Assim que os três ficaram sozinhos veio à tona a real situação em que se encontravam: todo o dinheiro que tinham não era suficiente para pagar o taxi! Combinaram, entre eles  e decidiram:

              - Vamos para a casa de Marcelo. Disse um dos rapazes.

             Marcelo era um amigo da turma que morava na cidade e quem poderia ajudá-los. Chegando ao endereço, enquanto dois deles subiram para falar com aquele que poderia salvá-los, Daniel ficou no táxi, como se fosse refém. Subiram, acordaram o amigo.

             - Marcelo, precisamos de algum dinheiro para pagar um taxi! - foram logo falando e contando a enrascada em que se meteram e como Daniel estava lá embaixo, no carro, esperando.

             - Não tenho um puto! – falou Marcelo muito calmamente, com cara de quem fora despertado de um bom sono.

              E para confirmar puxou os bolsos da calça para fora, abriu carteiras, gavetas, olharam dentro dos vasos e nada foi encontrado.

             Voltaram ao veículo desesperados e contaram tudo para o taxista que não tinha outra escolha a não ser ficar com o que pudesse ser recolhido entre os três. Puseram-se a revolver novamente todos os bolsos. Foi quando Daniel encontrou uma reserva num bolso do paletó onde habitualmente não guardava dinheiro. Tudo acertado os três voltaram, se ajeitaram como puderam e dormiram na casa do amigo.

               Enquanto isso, as meninas comentavam sobre o cavalheirismo e a fidalguia dos três jovens e se preparavam para se entregarem docemente nos braços de Morpheu, deslumbradas com uma agradável e inesquecível noitada. 

Martha Tavares Pezzini

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Em busca de uma nova Pasárgada - Martha Tavares Pezzini

 

Nova Pasárgada

 

Como quero ir-me embora pra Pasárgada!

Buscar uma nova vida após tanto ter vivido

Cansada de lutar, decidir, medir, pesar

Querendo, agora, apenas descansar

E uma vez ou outra, versejar.

Escolher a cama é primordial

Do meu Ortocrim, há que ter

Textura e densidade igual

Que lá haja paz, respeito e um pouco de atenção

Àqueles que sempre doaram o que traziam

Em suas mãos, sentimentos e coração.

Quero ir para Pasárgada

Certamente, lá vou andar de bicicleta

Quem sabe farei ginástica 

Voltarei a cantar e tomar banho de mar

E quando bater a tristeza

Igual as que não têm jeito

Como as que trago aqui no peito

Arrumarei minha mala

E já sei para onde ir.

Martha Tavares Pezzini

(Sujeita a revisão)

 

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Prefácio - Caminho nas nuvens- - livro de Geraldo Roberto da Silva.

 

           

            Prefácio – Caminho nas nuvens

 

            “...o que é peculiar ao gênero literário das memórias é que a reconquista do vivido não é somente um trabalho de restauração, mas sobretudo um esforço de renovação. Ao narrar tão fielmente como puder o que fez, viu e sentiu na vida, o homem observa os acontecimentos e as pessoas com a inteligência e a sensibilidade que são dele no momento que escreve e não aquelas que eram suas, nos tempos em que procura arrancar do olvido...”

(Afonso Arinos de Melo Franco).

 

           A cidade de Matozinhos se orgulha de muitos filhos. Geraldo Roberto da Silva, para os amigos de Matozinhos, apenas Betinho, está entre eles. Conheci Betinho naquela cidade para onde o amor me levou. Na vida tranquila, de então, todos se conheciam. Nunca nos aproximamos e nos falamos. Entretanto, somente agora, com as redes sociais e o gosto pela escrita foi que nos aproximamos. Conhecia sua família, muito conceituada e querida na cidade. Era mais próxima do seu irmão Cristiano, muito amigo do meu marido e pessoa de destaque em vários setores da sociedade local da qual foi vice-prefeito. A distinção do convite para prefaciar seu livro de memórias, O caminho nas nuvens, foi uma grande honra e uma alegria sem tamanho.

           Mergulhar no universo das nossas lembranças exige de nós a certeza de que observaremos o desenrolar dos acontecimentos como se fôssemos ao mesmo tempo, protagonista e observador. Como se houvesse o eu, que descreve a ação e um outro eu que a vê com os olhos do agora. Oxalá muitos dos personagens citados neste livro houvessem escrito suas memórias o que Betinho teve a coragem de fazer.

           Logo no início do livro, o autor questiona, ansiando por se autoconhecer:

          “por que tanta sensibilidade que faz com que eu potencialize sofrimentos e mergulhe em meus sonhos de forma tão intensa?”

           Os pensamentos do autor ocorrem aos saltos e ele vai escrevendo num vai e vem, sem seguir uma linearidade temporal, próprio de quem quer contar tudo, sem nada perder o que torna a leitura mais instigante. Seguirei o mesmo estilo. Impossível colocar aqui todos os textos e aforismos que destaquei desta narrativa onde o autor está sempre deixando transparecer sua sensibilidade (P. 9):

          “...nossa fragilidade no mundo e nossa pequenez perante essa exacerbação de coisas e de fatos que rodeiam nossas vidas...”

           E nesta autoanálise reconhece:

          “nunca foi fácil ser quem eu sou! Era muito difícil quando criança. Eu sentia o peso das responsabilidades que eu me impunha e não conseguia explicar para ninguém.”

           Há um transbordar de ternura e carinho quando se refere à sua mãe e ao seu “enorme” amigo, Aluízio Viana. Estes comentários são apenas sinalizações a lhes despertar a vontade de conhecer mais desta grande aventura de um sonhador e suas pegadas deixadas nas trilhas que o conduziram aos lugares e momentos mais caros de sua existência. Ele que leu aos quatro anos e nunca mais parou, que se diz resistente, que reza todas as noites, mas dá bronca a Deus, que fala com os mortos, viaja no caminho dos perfumes, sempre enfrentou os desafios que a vida lhe apresentou e como não poderia deixar de ser viveu inúmeros momentos de vitórias e realizações  pessoais.

          Na (P. 19), Betinho desabafa:

          “Tenho 69 anos de dores, de inquietudes, de autocobranças e de realizações menores do que aquelas para as quais um dia me planejei.”

           O caminho nas nuvens é o quarto livro de Betinho que se declara artista plástico e animador cultural; se aposentou no magistério na FURG-RS; fundou e dirigiu um grupo teatral, O Flato do Gato; foi premiado em vários salões, exposições e galerias de relevo nacional e internacional. Segui-lo nesta sua jornada é nos tornarmos cúmplices de uma vida bem vivida, sem querermos perder nenhum detalhe como as doces lembranças da infância e vivências familiares, repletas de amor, ternura e respeito, aqui compartilhadas (p.21 a 24). São cenas de uma família que podemos classificar como modelo. A narrativa, vai registrando os fatos históricos e sua repercussão na sua cidade e na vida do seu povo: a construção de Brasília, a decadência da Usina e da Fábrica de tecidos Peri Peri, bem como o reacender da esperança com a instalação da nova fábrica do cimento Campeão, a COMINCI.  (P. 60).

            Como não podia ser diferente a todo aquele que os viveu, o autor decanta os anos sessenta (P. 65): - “A história do mundo, certamente se divide em antes e depois dos anos sessenta.” -  Para em seguida, discorrer sobre o lamentável período histórico político que se iniciava no Brasil a partir de 1964. Tema que será abordado por ele mais adiante.

            A existência humana não passa de uma pequena passagem quando a vemos na totalidade. Entretanto, há uma grande riqueza de imagens, reflexões, fotografias das almas que conviveram e participaram dos momentos mais significativos vividos por alguém. Assim foi com seu pai: respeito e amor:  

            “A cabeça pensava e o corpo não obedecia. Assim foi minha curta carreira futebolística, sem glórias. Fiz gols, um ou outro, aqui e ali... Muito pouco para quem sonhou um dia jogar no Cruzeiro para dar uma alegria para o meu pai.”

           “Entre eu e meu pai, o futebol foi a ligação mais forte. Talvez se eu tivesse a tendência para a música pudéssemos ter nos conectado mais. Creio que ele tinha uma tristeza por nenhum dos filhos ter escolhido os caminhos musicais, ele que era clarinetista e talvez sonhasse com isso.” (P. 75).

           Arguto e sensível, jovem, entre 15 a 18 anos, Betinho foi capaz de admirar e ter como modelos seus professores e outros jovens que não se acomodavam, mas estavam sempre em busca de alguma realização fora dos estreitos limites de uma cidade pequena em tempos de raras chances:

           “Eu tive, já disse aqui, professores especialíssimos, privilégio imenso considerando a nossa Matozinhos pequenininha e de pouca tradição intelectual.”

           Cita: Arsênio Flávio, Geraldo de Paula Martins, Antônio Drumond, entre outros jovens professores que se destacaram pela inteligência e esforço. E continua lembrando aquela fase de ouro da Educação na sua cidade:

           “...o poder intelectual de uma família: Nilse, Afonso e Lincoln Pezzini, três irmãos brilhantes.”

           Aqui me faço também saudosista ao evocar a figura dos professores citados anteriormente. Fui aluna de Afonso e Lincoln e me permito acrescentar à expressão “poder intelectual”: “o ideal e a vida dedicada ao ensino.” Destaco o nome de Nilse Mercês Pezzini uma mulher que nasceu para o sagrado ofício do magistério deixando sua marca na história da Educação em Matozinhos. Permito-me ainda, destacar uma citação do autor, neste espaço de saudosismo e saudade:

          “Lincoln ou Babi, como era conhecido, não pertenceu à minha geração embora isso não me impedisse de admirá-lo. Foi meu professor de Geografia, dando aula com clareza e método. Foi um dos primeiros intelectuais que me serviram de referência, determinando admiração e respeito.”

            Com Betinho, revivemos as lembranças da sua vida e concomitantemente, da história da cidade de Matozinhos. Uma vida replena de afetos, aventuras, responsabilidades, lutas, sonhos e realizações que nos remete àqueles tempos em que “éramos felizes e não sabíamos”. Com alguns trechos, sem comentários, completo este prólogo, evitando cansar o leitor, certamente ávido de encetar esta viagem pelos caminhos nas nuvens, com Betinho, ou Geraldo Roberto da Silva.

            “ O Colégio Estadual já existia e lançaria em 1966  o Científico e se tornaria, naqueles anos seguintes, uma referência no ensino da região pela qualidade indiscutível de seus professores: Arsênio e posteriormente Dona Carolina, em Português; Geraldo de Paula Martins, em Matemática; Lincoln Pezzini, em Geografia; Afonso Pezzini, em Química e Biologia, entre outros.”

 

            “Eu acompanhava desde 61, ano de posse e renúncia de Jânio Quadros, as oscilações nos caminhos do Brasil. Vi o país com cheiro de pólvora querendo impedir que João Goulart, o vice, assumisse, acendendo a perspectiva de golpe vinda dos quartéis.”

            “Contradigo-me mais uma vez dizendo que rezo todas as noites e desaforadamente digo que duvido de Deus. Peço sempre a Ele desculpas por ter tantas dúvidas, mas que cuide, ignorando o meu desaforo, desses meus afetos aí enumerados, sem se esquecer dos bichos, é claro! E juro, com meus desafetos, minha maneira de oferecer a outra face é rezando por eles.”

            “A vida é uma coisa louca e cheia de mistérios! Julgo isso quando penso em mim, penso em por que “eu”, por que tanta sensibilidade que faz, como sempre digo, que eu potencialize sofrimentos e mergulhe em meus sonhos de forma tão intensa. Mergulho, sem tapar o nariz! Foda-se se me afogo...”

           “Marcar um gol é como dar um beijo, como achar a palavra certa que arremata um texto, como reler Carpentier...”

            “Pudesse, às vezes, eu pararia o tempo e transformaria os momentos bons que vivi em uma constante mágica que revestisse de eternidade esses eventos. Pudesse, eu não acordaria de certos sonhos! Pudesse, eu não deixaria a saudade doer e arderem meus olhos como agora, quando me proponho lembrar de tudo. O mundo segue lá fora, além da minha janela e de todas as janelas. Ouço barulhos do meu quintal: pássaros e murmúrios mágicos que não sei de onde vêm. Distraio-me vendo um pequeno beija-flor buscando a flor que quer beijar.”

 

Não perca a oportunidade de fazer você mesmo essa viagem no tempo das gratas lembranças, muitas delas vividas também por nós ou como protagonistas ou como observadores. Paul Valéry diz que passado e presente são as duas maiores invenções da humanidade. Nosso autor uniu os elos desses tempos supostamente contrários, pela memória. Que seja um exemplo de vida a nos desafiar.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          

Martha Tavares Pezzini

           Pedagoga - Orientadora Educacional; escritora e poeta.