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segunda-feira, 5 de abril de 2021

terça-feira, 25 de julho de 2017

Degustando novo livro - Geraldo Roberto da Silva


 Geraldo Roberto da Silva - Artista Matozinhense, radicado no Rio Grande do Sul. A página é sua. Hoje Dia do Escritor somos brindados com as nuances do florescer do jatobá. Parabéns! 
MTP


"Me permite, Martha, usar este espaço para propor uma degustação do meu novo livro (quase pronto), chamado "Quando o jatobá floresce"?
Cada vez que eu publico, eu ato um nó do compromisso, não me permitindo desistir. Por isso faço isso agora, assumindo meus compromissos. O livro será um texto de ficção com mais ou menos 250 páginas, e pretendo, se não houver nenhum entrave, publicá-lo, no máximo até o primeiro semestre do ano que vem".
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Prólogos
Vida longa? Por que eu? Por que os que necessitaram, que mereceram muito mais ter sua continuidade, não puderam viver tanto? Essas vidas foram podadas como essas árvores de copas quadradas aqui em Paris. Moisés, sobretudo, merecia mais. Não merecia ter a continuação de seu caminhar impedida porque ele seria uma pessoa útil no mundo. Foi levado muito cedo. Cumpriu muito menos do que podia, e a sombra da morte apagou a luz dos seus olhos. Pesaroso lembrar isso!
Penso diariamente, do alto de minha velhice, nessas vidas perdidas: Moisés, Martin, tão heróis... Por que G ficou? Por que tenho eu setenta e quatro anos? Por que alguns foram contemplados com graças paralelas como se houvesse uma lei divina de compensação? Tenho essa angústia, principalmente agora, vivendo a solidão que este cinza do céu parisiense me faz sentir. Por que estou em Paris? Fuga? Às vezes acordo com esta pergunta grudada em minha mente e arrasto-a comigo durante todo o dia, qual um peso que se converte em grilhões para as minhas pernas tão cansadas.
Mundo, mundo, vasto mundo... Drummond me persegue!
Enxergo daqui, da janela, o Jardin des Tuileries. Vejo a margem direita do Sena, entre Place de la Concorde et L'Arc de Triomphe du Carroussel. Caminho aí sempre que posso. Hoje Dominique vai comigo. Vai me cobrar com certeza, como sempre faz quando caminhamos, decisões sobre minha literatura. Fará isso hoje, como fez ontem, como fez anteontem... Tento ter a paciência que um quarto casamento exige.
Aqui, por sorte, tenho Edésio Novaes, que é, posso dizer, a maior autoridade em línguas estrangeiras, do meu círculo de relações. Domina inglês, francês, alemão, espanhol, italiano, sueco, “cearense” e um pouco – eu diria suficiente – de japonês e mandarim. Mora em Paris e –coincidência agradável – é meu vizinho e tornou-se meu amigo. Foi um dos primeiros a acompanhar – desejo dele que fosse assim – cada parte deste livro, da redação final, e até mesmo os pedaços que descartei.
- Isso faz parte do jogo – disse-me um dia. - Melhor conhecer a oficina em todos os detalhes, inclusive a bacia dos descartáveis e as estopas sujas de óleo.
Ele me ajudou, traduzindo para Dominique um resumo da história, e se sentiu feliz, disse-me, pois pode acompanhar o desenrolar do enredo a partir do pacote inicial com tudo que usei e descartei. Este resumão – primeira seleção – encadernada, eu trouxe comigo a Paris onde, decidi, terminaria a escrita. Edésio, educado que é, leu tudo com paciência carinhosa e no final me disse que não recomendava mais nada e que estava tudo muito bom.
Foi dele inclusive a iniciativa da promessa de ir comigo um dia até Rozgrud, a outra “ponta do triângulo”, pois se sentia no direito de participar dessa descoberta. Importante: guardo aqui, por enquanto, o mistério do “triângulo” para provocar o leitor e atiçar sua curiosidade.
Ah!... em tempo: muito vai se ver aqui, a mistura de assuntos e de tempos. Tanto poderemos estar no agora, no momento da escrita, quanto o tempo da ação poderá ser o passado e até, quem sabe, uma previsão futura. Literatura pra mim é isso. Coragem para misturar tempos e coisas é pra poucos. Meu leitor que corra atrás, porque nem tudo neste livro será açucarado ou didático e paternalista. Convidarei, vez em quando, que o leitor adiante-se ou retroceda comigo, pois isso ditará o ritmo, quebrando a pasmaceira tão comum em tanta coisa que a gente lê por aí. Reconheço... tem um pouco de jornalismo nisso sim.
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618, Rue de Rivoli, 75001 é meu endereço de Paris. Aos poucos me acostumo com a cidade e com a língua que não domino bem ainda, coisa contraditória pra quem um dia foi correspondente internacional. Caminharei em direção a Place de la Concorde onde me encontrarei pela segunda vez com Moïse Lafayette... exigência dele, um ano depois do encontro em Montevidéu.
Entregar-me-á um envelope, falará pouco com sua voz fanha e me dirá: “’Lizes chez vous.”. Virará as costas e irá embora sem se despedir. Certamente será assim, sempre do jeito dele, sempre do jeito de todos, nunca do meu jeito.
E Dominique me cobrará na volta: Et alors, avez-vous décidé? Estará se referindo, é claro a algo que não decidi ainda, porque não sei se aproveitarei este texto que escrevo agora, neste momento. Quererá também saber se decidi como assinarei, uma pequena dúvida, não tão séria, mas que às vezes me incomoda como uma coceira. Ela me dirá, certamente, até antevejo: “Saulo! Ça doit être. Son vrai nom! J’aime tant la sonoritá ouvert de Saulo!” falará assim com os ditongos abertos, o “a” espocante como uma bolha que estoura e o “u”como um sopro, além da charmosa invasão do circunflexo no “o” final (“Saulô”). Tentará impor isso.
Mesmo assim, sabendo-as invasoras, sempre procuro uma mulher, uma companhia. É necessário nunca estar só. A solidão engendra a melancolia.
Sinto um arrepio, doem-me as artroses. Adapto uma frase de Proust: “gemo como um galho ao vento de outono.”. Respiro com a dificuldade de um fole furado. Essa última frase é minha.
Sou assim. Voltarei para casa e acenderei a lareira e abrirei o envelope de Lafayette. Sentirei a coceira de botar o pé no mundo e fechar um ciclo terminado ontem, meia-noite, quando fui dormir. Hoje, quando Dominique voltar na hora do almoço me encontrará ali, pensativo, cogitando que tudo começa de novo, agora. Estarei comendo tangerinas e jogando as cascas no fogo. Gosto de fazer isso: vê-las inchar com o calor, as bolhas na parte branca estourando, fazendo um “ploft” baixinho que poucos ouvidos escutam.
Ela me perguntará: escolheu? E eu poderei dizer que sim: assinarei Saulo, Saulo Agnelli, meu nome verdadeiro. Esconderei, a princípio, os comichões que os documentos de Lafayette me causaram.
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