Navegando e escorregando daqui pra ali, me encontro com Edson Aran. Já completamente presa ao seu jeito irreverente, rimando com excelente, de escrever, perguntei à minha filha se o conhecia. - Tenho um livro dele! Pronto. Livro à mão: "Conspirações". Imaginem se fico mais sem buscar seus escritos! O texto que vou postar, sem título, vou chamar de "Licença Poética." A minha ainda não saiu! Ah, ele é mineiro das Gerais. MTP
"Saiu
minha licença poética! Foram meses de tentativas e tratativas, milênios de
pataquadas e patativas, mas agora ela está aqui. Minha licença poética!
Devidamente assinada, datada e carimbada. Depois de apresentar meu certificado
de bons antecedentes literários, paguei tudo quando é taxa para não sentar na
graxa: o Tributo sobre Rimas Ricas (TRR), a Taxa de Ritmo e Métrica (TRM) e
também Imposto sobre Circulação de Metáforas (ICM).
Valeu a
pena, pois agora sou um poeta profissional e posso tomar minha pena para ser
profusamente passional. Agora eu posso escrever “a chuva choveu no molhado” sem
ser incomodado. Posso até rimar “maré” com “amar é” sem ser insultado, mesmo
sendo rima de pé-quebrado. Posso fazer poemas épicos, poemas líricos, poemas
céticos e poemas etílicos. Posso poetar com rimas internas e rimas externas e
até rimas modernas, pois todas elas serão eternas.
Posso
poemar em verso livre e também em verso preso que ninguém ficará surpreso.
Posso até usar verbos inventados e versejar da maneira mais patética, pois
tenho uma licença poética. Eu não preciso de métrica e muito menos de estética
e agora eu uso mesóclise onde bem-mo-la-entendo! Agora eu uso ênclise até em
substantivo-lhe. E meto a próclise em qualquer prosopopeia, que eu nem sei o
que é, pois não faço nem ideia.
Com
licença poética é assim, você pode escrever tudo o que lhe aprouver, seja sobre
homem ou mulher e qualquer outra variável que porventura houver. Mas só se você
quiser, pois ninguém pode meter a colher. E se algum crítico por acaso não
apreciar seu poemar, você pode falar: “Não me venha com dialética, pois tenho
licença poética, criatura patética!”
O bom de
ser um poeta autorizado é que você não fica travado. Você vai escrevendo,
escrevendo e, se ninguém gostar, você está pouco se fodendo. A licença permite
até mesmo escrever palavrão cabeludo, pois você não precisa ser um parnasiano
sisudo. Mas o melhor de tudo é falar de si mesmo na terceira pessoa do
singular.
“O Poeta,
ao poente, mente sobre o que deveras sente: venta bastante e ele só quer um
pente…”
Sim, eu
sei que o verso é indigente, mas a licença poética permite que eu seja
inconsequente e até mesmo demente. Além disso, respeito é bom e conserva o
dente. Com minha licença devidamente carimbada, posso me dedicar ao pedantismo,
parnasianismo e até mesmo ao concretismo. Posso até juntar palavras como eu
quiser, tipo “javras” ou “qualquer”, se bem que a última, se bem me lembro, já
faz parte do léxico. Tudo bem. Ser poeta é ser complexo.
O bom de
possuir uma licença poética para praticar literatura é que você ganha estatura.
O crítico perde a coragem de escrever desaforo e o acadêmico nem consegue
segurar o choro. Seus amigos poetas o vêm com inveja e embaraço: “Olha lá…
aquele sim é um poetaço!”
Com licença
poética é assim: se bobear, posso até escrever outrossim. Ah, chega. Isso é o
fim."
Edson Aran