Perambulando e pesquisando deparo com esse artigo. Sendo uma interessada no assunto e admiradora do inesquecível Nilto Maciel, cheguei ao Valdivino Braz. Esse artigo foi publicada há algum tempo. Mas nada mudou de lá para cá. Peço licença ao Valdivino para dedicar a postagem do seu trabalho, primeiramente, claro, a ele; em segundo lugar ao Nilto Maciel que tanto batalhou por esse tema e em terceiro lugar ao Rogério Zola Santiago, outro batalhador.
MTP
Escritores
esquecidos, desmazelo cultural.
Autores
ignorados pela mídia, editoras e academias motivam pesquisa no Ceará
Valdivino Braz
Especial para o Jornal Opção
“Você conhece Moreira Campos? Já leu algum livro
dele?”. De Fortaleza, Ceará, recebo, por meio de e-mail, estas perguntas do
amigo e primoroso escritor Nilto Maciel, imbuído de oportuna, pertinente
pesquisa “para mostrar o quanto ignoramos nossos escritores menos divulgados
pela mídia, pela Academia, pelas editoras, etc.” Com efeito, agora que se
apruma a questão, volta-nos à memória o nítido nome de Moreira Campos, a
exemplo de outros que vão sendo insidiosamente esquecidos ou simplesmente
ignorados.
Aponham-se o débito editorial, a omissão das Academias de Letras e outras
instituições (universitárias, inclusive) ou entidades culturais, como (sejamos
francos) a UBE nacional e suas seccionais, além dos próprios escritores,
ocupados consigo mesmos, zelosos de suas “carreiras literárias”, senão que
apenas indiferentes à questão dos colegas na berlinda ou carruagem do tempo. A
saber-se até onde sobreviverá a memória literária sob a tutela dos confrades. E
como acudir a todos, a tantos, a quantos, na poeira do tempo, nos desvãos da
desmemória?
Claro, há o fator tempo, os anos que passam e germinam o musgo ou a pátina do
esquecimento, a par com o volume de valores emergentes e também o enxurro e a
mesmice de obras de baixo teor ou mediana qualidade, nacionais e estrangeiras,
que incrementam a dinâmica do mercado editorial e alimentam-lhe a ganância.
Frenéticas, as editoras exploram o filão e abocanham o lucro, impondo aos
autores nacionais as suas míseras condições de acolhida e comercialização.
Mas há, sobretudo, um certo desmazelo cultural no País, inerente ao resgate de
autores valiosos, de ontem e de sempre. O descuido, a negligência, a
ignorância. E quase ninguém se manifesta a respeito, não se faz nada de
produtivo e necessário neste âmbito cultural, daí a pertinência da iniciativa
de Nilto Maciel. Não deixa de ser também um gesto solidário, por solitário que
seja, entreabrindo a cortina do silêncio e da empoeirada e surda indiferença.
A pesquisa de Nilto começa por sua terra-natal, o Ceará, com Moreira Campos, e
bem sabe ele da extensão do problema a outros estados brasileiros. Uma certa
mídia por vezes sacana (canalha, mesmo), de alguma forma irresponsável,
babujando (babando, corrompendo a noção de valor) sobre obras-abobrinhas,
chinfrins, ou meras e momentâneas mercadorias, de rápido consumo.
Supervalorizando algumas baboseiras estrangeiras, entretenimento de cunho
imediato, feito “fast food” (Coma!, coma!), sobretudo para o ingênuo consumo
jovem ou de um público desinformado, desprovido de senso crítico, até beirando
o ridículo. Entupidos de “comida” do entulho “cultural” alienígena, já não
bastasse o entulho doméstico, e comporta(mentalmente) idiotizados por
maneirismos estereotipados, numa repetida forma de fuga ao natural de si
mesmos.
Coisas da indústria cultural de massa (como se diz) e de entretenimento,
(re)pasto para o rebanho automatizado, movido a gasolina, adrenalina,
estrogênio e testosterona. Ops!, que agora estou extrapolando, e me desculpo,
que a coisa também não é bem assim, sendo até “natural” que seja como é,
e já também por termos sido (nós, os antigos) o que hoje nos desagrada ao
olhar. E o que vemos? Espelho, espelho meu, como você é feio! Franqueza
honesta, como essa agora, não faz mal a ninguém. E por ser assim a
“naturalidade” das coisas, tais como são, imagine-se se aqui eu começasse a
falar de outros tipos de “combustíveis”, nefastos estimulantes à degradação, e
maior o problema social, o contingente humano à míngua de assistência do poder
público. Bem entendido, seria uma droga que eu assim falasse, pois não? Mas é disso
que estou falando! (das drogas), e não estou copiando bordão de comediante
“stand up” na TV, que já copiou de outros, possivelmente de algum filmeco
norte-americano.
Por outro lado, amesquinha-se a mídia provinciana e já não divulga (ou divulga
mal, até subestimando) os escritores emergentes, de qualidade promissora. E
novos autores ou aqueles que vão se firmando com a literatura, ainda enfrentam
a humana pequenez de uma gente miúda (da mídia impressa e televisiva), que se
pauta por meras idiossincrasias e boicota a divulgação. A média, a mídia, o
meio, a medida, à média luz. Os diversos meios de comunicação e difusão
sociocultural, aos quais se agrega a frenética informação digital. A Rede. Ou
pega-moscas?
Editoras há tão-somente esfomeadas por novidades de momento, ávidas de lucro
(certo, estão no ramo e não vão perder a oportunidade), e por aí relegam ao
limbo boa parte da nossa riqueza literária. E ainda as Academias de Letras,
confrarias girando em torno dos próprios umbigos, sem maior zelo pelo acervo
literário de qualidade — sem falar que, lamentavelmente, acolhem como membros
algumas pessoas pouco recomendáveis ou representativas (políticos de caráter
nada ilibado, por exemplo), e até bruxos escritores de pastiches, com mercado
garantido, em detrimento de literatura mais qualitativa.
E por acaso se pensa que esse público que mal lê e essa parcela de juventude
alienada estejam se importando com isso? Estão se lixando, como de praxe. Mesmo
porque os tempos são outros, e os escritores em questão são antigos, alguns dos
quais não serão resgatados, infelizmente. Permanecerão lá onde se encontram, no
limbo, de fato ignorados, esquecidos ou pouco lembrados. Oh, tempos! Oh,
costumes, diria Cícero, que foi degolado e cuja cabeça e mãos foram expostas na
tribuna do Senado de Roma, do qual era porta-voz. Morto a mando do cônsul Marco
Antônio, seu rival político.
Já por primeiro, o governo de cada estado, bem como o Ministério da Cultura,
têm parte na cadeia de omissões para com os escritores esquecidos, ou não?
Ocorrem-me, a propósito, nessa questão de resgate literário, aquelas antigas
publicações ou co-edições de livros pelo INL, ou também não? Imperativo o
resgate e cultivo de autores como Campos de Carvalho (da Academia Cearense de
Letras) e tantos outros de bom quilate e calibre, todavia olvidados.
Particularmente meio que enfarado com o enxurro e mesmice atual — ressalvadas
as exceções —, e mais seleto com as leituras, venho buscando os sebos,
(re)adquirindo obras e retomando leitura de alguns autores que aprecio, tais
como José Condé, Adonias Filho, Ricardo Guilherme Dicke (acabei de resgatar o
romance “Caieira”, edição antiga), Herberto Sales, Hermilo Borba Filho, José J.
Veiga (contos de seus dois primeiros livros, que eu não tinha mais). E (acredite!)
somente agora adquiri e vou ler o premiado romance “Emissários do Diabo”
(edição de 1974) do pernambucano Gilvan Lemos; também dele, e com tamanho
atraso, intento encontrar a novela “A noite dos Abraçados”, pelo menos. Estou
em busca de reaver obras de Valdomiro Silveira, Autran Dourado e outros nessa
linha do meu agrado. E agora que Nilto Maciel buliu no baú, sairei a campo(s)
pelas obras de Moreira.
Deste autor cearense (traduzidos para o inglês, francês, alemão, italiano e
hebraico), já uma vez, há décadas, tive em mãos o livro de contos “O Puxador de
Terço”, que pretendo reaver. Sei de outros títulos de sua autoria, também em
volumes de contos, como “A Grande mosca no copo de leite” e “Dizem que os cães
vêem coisas” — aprecio títulos assim; a arte de um livro começa pelo bom
título, chamariz para a leitura, sobre uma capa igualmente sugestiva. Além dos
títulos já citados, interessa-me ler “Vidas Marginais” (1949), primeiro livro
de Moreira Campos, e daí “Portas Fechadas”, “Vozes do Morto”, “Os 12 Parafusos”,
entre outros. Bem se vê que Nilto Maciel levanta a lebre dos autores ignorados,
como também da literatura esquecida, e não para que seja morta, como nas
caçadas, mas sim para ser revivida, e não também que esteja morta, estando
viva. Um tiro certeiro, digamos assim, de Nilto Maciel. No alvo da acomodada
consciência cultural brasileira.
Como tema para reflexão, fecho este arremedo de ensaio com as palavras de
Gilvan Lemos, que dizia não deixar Recife por dinheiro nenhum do mundo, a não
ser que fosse para voltar ao São Bento do Una, que ele tinha como o seu
paraíso: “Tenho amigos escritores, mas não faço vida literária, isto é, não
pertenço a nenhum ´grupo´, nenhuma academia, não tenho coluna em nenhum jornal
etc. Prefiro criar canários de briga.”
É isso aí, creio. Publique-se e dê-se livre trânsito pelas cidades, a quem
interessar possa.
Valdivino Braz é jornalista, escritor