Geraldo Roberto da Silva - Artista Matozinhense, radicado no Rio Grande do Sul. A página é sua. Hoje Dia do Escritor somos brindados com as nuances do florescer do jatobá. Parabéns!
MTP
"Me
permite, Martha, usar este espaço para propor uma degustação do meu
novo livro (quase pronto), chamado "Quando o jatobá floresce"?
Cada
vez que eu publico, eu ato um nó do compromisso, não me permitindo
desistir. Por isso faço isso agora, assumindo meus compromissos. O livro
será um texto de ficção com mais ou menos 250 páginas, e pretendo, se
não houver nenhum entrave, publicá-lo, no máximo até o primeiro semestre
do ano que vem".
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Prólogos
Vida longa? Por que eu? Por que os que necessitaram, que mereceram
muito mais ter sua continuidade, não puderam viver tanto? Essas vidas
foram podadas como essas árvores de copas quadradas aqui em Paris.
Moisés, sobretudo, merecia mais. Não merecia ter a continuação de seu
caminhar impedida porque ele seria uma pessoa útil no mundo. Foi levado
muito cedo. Cumpriu muito menos do que podia, e a sombra da morte apagou
a luz dos seus olhos. Pesaroso lembrar isso!
Penso diariamente, do
alto de minha velhice, nessas vidas perdidas: Moisés, Martin, tão
heróis... Por que G ficou? Por que tenho eu setenta e quatro anos? Por
que alguns foram contemplados com graças paralelas como se houvesse uma
lei divina de compensação? Tenho essa angústia, principalmente agora,
vivendo a solidão que este cinza do céu parisiense me faz sentir. Por
que estou em Paris? Fuga? Às vezes acordo com esta pergunta grudada em
minha mente e arrasto-a comigo durante todo o dia, qual um peso que se
converte em grilhões para as minhas pernas tão cansadas.
Mundo, mundo, vasto mundo... Drummond me persegue!
Enxergo daqui, da janela, o Jardin des Tuileries. Vejo a margem
direita do Sena, entre Place de la Concorde et L'Arc de Triomphe du
Carroussel. Caminho aí sempre que posso. Hoje Dominique vai comigo. Vai
me cobrar com certeza, como sempre faz quando caminhamos, decisões
sobre minha literatura. Fará isso hoje, como fez ontem, como fez
anteontem... Tento ter a paciência que um quarto casamento exige.
Aqui, por sorte, tenho Edésio Novaes, que é, posso dizer, a maior
autoridade em línguas estrangeiras, do meu círculo de relações. Domina
inglês, francês, alemão, espanhol, italiano, sueco, “cearense” e um
pouco – eu diria suficiente – de japonês e mandarim. Mora em Paris e
–coincidência agradável – é meu vizinho e tornou-se meu amigo. Foi um
dos primeiros a acompanhar – desejo dele que fosse assim – cada parte
deste livro, da redação final, e até mesmo os pedaços que descartei.
- Isso faz parte do jogo – disse-me um dia. - Melhor conhecer a
oficina em todos os detalhes, inclusive a bacia dos descartáveis e as
estopas sujas de óleo.
Ele me ajudou, traduzindo para Dominique um
resumo da história, e se sentiu feliz, disse-me, pois pode acompanhar o
desenrolar do enredo a partir do pacote inicial com tudo que usei e
descartei. Este resumão – primeira seleção – encadernada, eu trouxe
comigo a Paris onde, decidi, terminaria a escrita. Edésio, educado que
é, leu tudo com paciência carinhosa e no final me disse que não
recomendava mais nada e que estava tudo muito bom.
Foi dele
inclusive a iniciativa da promessa de ir comigo um dia até Rozgrud, a
outra “ponta do triângulo”, pois se sentia no direito de participar
dessa descoberta. Importante: guardo aqui, por enquanto, o mistério do
“triângulo” para provocar o leitor e atiçar sua curiosidade.
Ah!...
em tempo: muito vai se ver aqui, a mistura de assuntos e de tempos.
Tanto poderemos estar no agora, no momento da escrita, quanto o tempo da
ação poderá ser o passado e até, quem sabe, uma previsão futura.
Literatura pra mim é isso. Coragem para misturar tempos e coisas é pra
poucos. Meu leitor que corra atrás, porque nem tudo neste livro será
açucarado ou didático e paternalista. Convidarei, vez em quando, que o
leitor adiante-se ou retroceda comigo, pois isso ditará o ritmo,
quebrando a pasmaceira tão comum em tanta coisa que a gente lê por aí.
Reconheço... tem um pouco de jornalismo nisso sim.
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618, Rue de Rivoli, 75001 é meu endereço de Paris. Aos poucos me
acostumo com a cidade e com a língua que não domino bem ainda, coisa
contraditória pra quem um dia foi correspondente internacional.
Caminharei em direção a Place de la Concorde onde me encontrarei pela
segunda vez com Moïse Lafayette... exigência dele, um ano depois do
encontro em Montevidéu.
Entregar-me-á um envelope, falará pouco com
sua voz fanha e me dirá: “’Lizes chez vous.”. Virará as costas e irá
embora sem se despedir. Certamente será assim, sempre do jeito dele,
sempre do jeito de todos, nunca do meu jeito.
E Dominique me cobrará
na volta: Et alors, avez-vous décidé? Estará se referindo, é claro a
algo que não decidi ainda, porque não sei se aproveitarei este texto que
escrevo agora, neste momento. Quererá também saber se decidi como
assinarei, uma pequena dúvida, não tão séria, mas que às vezes me
incomoda como uma coceira. Ela me dirá, certamente, até antevejo:
“Saulo! Ça doit être. Son vrai nom! J’aime tant la sonoritá ouvert de
Saulo!” falará assim com os ditongos abertos, o “a” espocante como uma
bolha que estoura e o “u”como um sopro, além da charmosa invasão do
circunflexo no “o” final (“Saulô”). Tentará impor isso.
Mesmo assim,
sabendo-as invasoras, sempre procuro uma mulher, uma companhia. É
necessário nunca estar só. A solidão engendra a melancolia.
Sinto um
arrepio, doem-me as artroses. Adapto uma frase de Proust: “gemo como um
galho ao vento de outono.”. Respiro com a dificuldade de um fole
furado. Essa última frase é minha.
Sou assim. Voltarei para casa e
acenderei a lareira e abrirei o envelope de Lafayette. Sentirei a
coceira de botar o pé no mundo e fechar um ciclo terminado ontem,
meia-noite, quando fui dormir. Hoje, quando Dominique voltar na hora do
almoço me encontrará ali, pensativo, cogitando que tudo começa de novo,
agora. Estarei comendo tangerinas e jogando as cascas no fogo. Gosto de
fazer isso: vê-las inchar com o calor, as bolhas na parte branca
estourando, fazendo um “ploft” baixinho que poucos ouvidos escutam.
Ela me perguntará: escolheu? E eu poderei dizer que sim: assinarei
Saulo, Saulo Agnelli, meu nome verdadeiro. Esconderei, a princípio, os
comichões que os documentos de Lafayette me causaram.
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