quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Metade - Ferreira Gullar

 

    Metade

              Ferreira Gullar

Que a força do medo que eu tenho,

não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo o que acredito

Não me tape os ouvidos e a boca.

 

Porque metade de mim é o que eu grito,

Mas a outra metade é silêncio...

 

Que a música que eu ouço ao longe,

seja linda, ainda que triste...

Que a mulher que eu amo

seja para sempre amada

mesmo que distante.

 

Porque metade de mim é partida,

mas a outra metade é saudade.

 

Que as palavras que eu falo

não sejam ouvidas como prece

e nem repetidas com fervor,

apenas respeitadas,

como a única coisa que resta

a um homem inundado de sentimentos.

 

Porque metade de mim é o que ouço,

Mas a outra metade é o que calo.

 

Que essa minha vontade de ir embora

se transforme na calma e na paz

que eu mereço.

E que essa tensão

que me corrói por dentro

seja um dia recompensada.

 

Porque metade de mim é o que eu penso,

Mas a outra metade é um vulcão.

 

Que o medo da solidão se afaste

e que o convívio comigo mesmo

se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto,

um doce sorriso,

que me lembro ter dado na infância.

 

Porque metade de mim

é a lembrança do que fui,

a outra metade eu não sei.

 

Que não seja preciso mais do que

uma simples alegria

para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio

me fale cada vez mais.

 

Porque metade de mim

é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

 

Que a arte nos aponte uma resposta,

mesmo que ela não saiba.

E que ninguém a tente complicar

porque é preciso simplicidade

para fazê-la florecer.

E que a minha loucura seja perdoada.

 

Porque metade de mim é amor,

e a outra metade...

também.

 

 

sábado, 18 de setembro de 2021

Conversa - Martha Tavares Pezzini

 

         Conversa

 

        - Olá, Vida!  Estou sentindo necessidade de parar, fazer um passeio andando devagar, sentar num jardim ou quem sabe, num parque, para conversar um pouco, ver gente passar, sentir a brisa no rosto, olhar o céu. Comer hambúrguer, cachorro quente ou  churros. Você tem corrido muito e me atropelado, está bagunçando minha casa e embaralhando meus pensamentos. Não estou conseguindo lhe acompanhar! Estou pensando em marcarmos um encontro para discutirmos e quem sabe, nos acertarmos alguns pontos. Podemos agendar esse encontro para amanhã. Sábado é um bom dia, desde que se faça logo o que precisa ser feito, antes que outras solicitações sabáticas nos absorvam. Combino, por WhatsApp o local.

      Não vou me preparar para o encontro. Será mais uma sexta-feira, que passa correndo sem que eu consiga realizar tudo a que me propus. E não suporto mais ouvir falar: “Sextou!” - Ando muito intolerante com tantas expressões novas, chavões repetidos até, na cabeça da gente – Mas é melhor um sextou do que um surtou. De todo jeito, aposentado ou na ativa, celebremos o esperado quinto dia,  partamos para o descanso do final da semana que  para mim já não faz diferença, mas para tomar um vinho, quem precisa sextar?            

Agora só falta escolher um lugar tranquilo, para a nossa conversa. Pensei um pouco e não estou encontrando. A única praça que já sentei algumas vezes foi a Praça da Liberdade, que talvez, não esteja tão tranquila no sábado. Acabei de me lembrar de um bom lugar: uma biblioteca.

              É sábado, está quase na hora combinada. Dirijo-me à Biblioteca, pego um livro e como não tinha intenção de ler peço um livro meu, o que funciona como uma confirmação da sua presença naquele acervo. Em seguida procuro um lugar para me sentar. Trago comigo um caderno para usar se se fizer necessário. Fecho os olhos e me contato com meus pensamentos:

                - Podemos começar pelas melhores partes que você me permitiu viver pois antes de me queixar, tenho muito a agradecer. 

                 MTP

                To be continued

                 



            

 

 

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Propostas de Setembro - Martha Tavares Pezzini

 


Propostas de Setembro
 
Surge, Setembro com mil propostas imperdíveis:
espaventar o frio, aquecer os corações e o ar
pintar as cercas dos jardins, encher os canteiros
com flores e muitas cores;
usar roupas coloridas como os amores;
escancarar as janelas da casa e do coração
Para a ouvir os pássaros e o vento;
sair de casa e sentir na pele, o sol.
Para tornar ainda mais profícuo esse tempo,
propõe que o amor seja a meta e a condição,
parceiro da Paz, harmonia e transformação.
 
Martha Tavares Pezzini

terça-feira, 27 de julho de 2021

Terapia infalível - Martha Tavares Pezzini

 Terapia infalível

Na rotina do dia, em casa, onde executamos tarefas, algumas repetitivas outras alternativas, nem todas as atividades podem ser classificadas como prazerosas. Parecem mesmo serem realizadas automaticamente, quase como inevitáveis. Administrar isto, vai depender do nosso condicionamento para adaptarmos às situações adversas, que podemos resumir no tal jogo de cintura.

Outros fatores têm que ser considerados, como por exemplo as ferramentas que nos assessoram. É uma vasta lista onde há preferências, tolerâncias e rejeições. Posso passar bem, privada de algumas delas. Mas duas são indispensáveis e tenho necessidade de saber que estão lá, disponíveis para eu me sentir no controle da situação: o computador e a lavadora de roupas.

Ontem embaracei o pé no fio que carregava meu laptop resultando numa estrondosa queda, deixando-o inoperante. Ainda bem que não caí e não fui avariada. Estou temporariamente sem ele, minha companhia constante. Como um cão fiel, só que não tão fiel. Brigamos muito, e desabafo xingando a Microsoft com saudades, às vezes, do Windows 7.

Mesmo assim parece que falta alguma coisa na casa. Estou usando o iPad, mas não é a mesma coisa.

A lavadora de roupas, por sua vez, cumpriu hoje, perfeitamente, o seu papel.

Minhas filhas costumam dizer, com um toque de humor, que fico feliz juntando roupa para colocar na máquina. Já sabem que se o tédio rondar pela casa, lá vou eu ligar a lavadora.

Não sei expressar com um termo correto o que sinto. Mas me acalmo e me esqueço do que não quero me lembrar enquanto separo as peças pela espécie e cor, coloco outras nas sacolas protetoras, tendo como fundo musical o som da água enchendo o recipiente, feliz, antecipando o resultado. A apoteose da operação é a satisfação de pendurar as peças limpas e perfumadas, satisfação que não tem preço.

Outro consolo para não perder o sono, caso ocorra uma pane mecânica é saber que o pessoal autorizado da Brastemp, para a manutenção, atende prontamente quando chamados, pois cobram caro e vendem as peças.

Nota: ainda farei uma consulta à Brastemp para esclarecer se a máquina engole meias.

Martha Tavares Pezzini 

sábado, 19 de junho de 2021

O que junho nos traz - Marilene Guzella Martins Lemos

 

 

O QUE JUNHO NOS TRAZ

 

Marilene Guzella Martins Lemos

 

Junho chegou. Com ele, as comemorações. Dia dos Namorados, Dias de Santo Antônio, São João e São Pedro. Os últimos regados a quentão e a base de fogueiras, quadrilhas, bandeirinhas, etc. Interessante, no dia 29 a igreja diz: dedicado a São Paulo e São Pedro. Mas parece que São Paulo nem é convidado para a festa. Não falam seu nome. Por que seria? Ouvi falar que esses santos não se davam bem. São Pedro era muito ranzinza, vivia às turras com a mulher e principalmente com a sogra. São muitos os casos de suas querelas. São Pedro pregou por um lado, São Paulo por outro. Depois São Pedro marcou território, passou as mãos nas chaves do céu e lá só entra quem ele permite. E São Paulo? Culto, achava-se superior, afinal era cidadão romano. Suas palavras permanecem. No dia 24 é a vez de São João, São João Batista, não confundir com o Evangelista, o do Apocalipse. João Batista batizou Jesus no Rio Jordão. Depois, por falar mal do Rei Herodes, este mandou cortar-lhe a cabeça e ofereceu-a numa bandeja de prata a Salomé após ela executar uma linda “dança dos sete véus”. Dia 13 festeja-se Santo Antônio, o casamenteiro. Os tempos estão mudados. Será que alguma jovem ainda coloca sua imagem dentro d ́água e de cabeça para baixo? Surgiu uma piada de que o recurso tornara-se inoperante porque o santo fizera um curso de mergulho e possuía todos os equipamentos para permanência debaixo d ́água. Dia dos Namorados remete a Histórias de amor. Hoje em dia as principais narrativas amorosas são as novelas, os Contos de Fadas Modernos. Impossível não lembrar os amores célebres da história e literatura: de Romeu e Julieta, todos conhecem o triste final. De Dircéu e Marília, também. Abelardo e Heloisa terminaram a vida encerrados em conventos. Tristão e Isolda só puderam se unir depois de mortos. Os arbustos brotados de suas sepulturas se entrelaçaram formando um dossel. Sobre Othelo e Desdêmona, que horror; ele, por ciúmes, matou-a. Citaria inúmeros outros, célebres porque trágicos, vítimas dos contextos sociais da época. Hoje seria diferente. Capuletos e Montéquios deixariam as diferenças de lado fazendo uma composição em apoio a um “dodge” em sua eleição. Tudo dependendo de um interesse financeiro maior, proporcionando a Romeu cortejar livremente a sua amada.Na atualidade, Dirceu, ou melhor, Gonzaga, não iria em degredo para a Africa , seria exilado em Paris ou mais perto, no Chile. Maria Dorotéia teria ido junto. Logo estariam de volta, ele ocupando uma cadeira no senado. Abelardo e Heloísa deixariam os respectivos conventos e iriam viver tranquilamente seu grande amor. Tristão diria: - Pois é, Tio Marco, o senhor mandou-me buscar sua noiva, a linda Isolda. O caminho era longo, nós viemos conversando... conversando...Infelizmente para Desdêmona a situação não mudaria. Os Othelos continuam a solta e cada vez mais numerosos. Prosseguem matando Consideram a mulher como propriedade e que “honra” deve ser lavada com sangue. Pobres Desdêmonas do século XXI. Até quando?

 

sexta-feira, 11 de junho de 2021

 GRAVIDEZ DA PEDRA

Geraldo Reis

Os homens não consideraram a gravidez da pedra
e não consideraram o quanto a pedra era triste
se nela havia ouro
se a pedra era um sonho.

Os homens não consideraram se a pedra era rua
se a pedra era canto
se embalava os pássaros
se dominava a distância.

Os homens não se deram conta de que a pedra era feita
de um certo elemento que era o próprio homem,
de um certo minério que havia no sangue e fazia a
memória
do que no homem era pedra
do que na pedra era homem.

O homem passou pela pedra
sem notar a gestação do menino que havia na pedra
o quanto era pedra na pedra
e o quanto era sonho
o que era cobiça
o que era pesadelo
o era vício

o era abdome.

Os homens não consideraram os tímpanos da pedra
o ventre da pedra
os medos da pedra
os imponderáveis mistérios da pedra
o segredo imemorial que levava no ventre.

E não consideraram os caminhos apontados
pelos rumos impolutos da pedra
o degredo que representava a pedra
a redenção que viria da pedra
a postura interior da pedra
a transfiguração que viria
do lado sobremaneira esquerdo da pedra
o alumbramento talvez de possuí-la.

E não consideraram o que na pedra era pedra
o que na pedra era homem
o que na pedra era argila.

Os homens não consideraram os artifícios da pedra
os conflitos íntimos da pedra
o silêncio interior da pedra
o compromisso de monumento da pedra
o sacrifício peridural da pedra.

Não consideraram os limites humanos da pedra

a complexa dimensão da pedra
as severas dificuldades da pedra na sua existência frágil.

A vida inteira passamos pela pedra
sem considerar o que na pedra é pedra
o que na pedra é útero
o que na pedra é homem.

A vida inteira o homem caminha de mãos dadas com a
pedra.

Com a paciência da pedra,
o homem dorme
com o cansaço da pedra,
anoitece.

Com a sabedoria da pedra é que se multiplica
com o segredo da pedra é que se renova.

A vida inteira o homem ignora a pedra que o acompanha

a pedra que é a sua sombra
e que nele dorme

a pedra que é a sua memória
e que recebe o seu nome.