sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Prefácio - Caminho nas nuvens- - livro de Geraldo Roberto da Silva.

 

           

            Prefácio – Caminho nas nuvens

 

            “...o que é peculiar ao gênero literário das memórias é que a reconquista do vivido não é somente um trabalho de restauração, mas sobretudo um esforço de renovação. Ao narrar tão fielmente como puder o que fez, viu e sentiu na vida, o homem observa os acontecimentos e as pessoas com a inteligência e a sensibilidade que são dele no momento que escreve e não aquelas que eram suas, nos tempos em que procura arrancar do olvido...”

(Afonso Arinos de Melo Franco).

 

           A cidade de Matozinhos se orgulha de muitos filhos. Geraldo Roberto da Silva, para os amigos de Matozinhos, apenas Betinho, está entre eles. Conheci Betinho naquela cidade para onde o amor me levou. Na vida tranquila, de então, todos se conheciam. Nunca nos aproximamos e nos falamos. Entretanto, somente agora, com as redes sociais e o gosto pela escrita foi que nos aproximamos. Conhecia sua família, muito conceituada e querida na cidade. Era mais próxima do seu irmão Cristiano, muito amigo do meu marido e pessoa de destaque em vários setores da sociedade local da qual foi vice-prefeito. A distinção do convite para prefaciar seu livro de memórias, O caminho nas nuvens, foi uma grande honra e uma alegria sem tamanho.

           Mergulhar no universo das nossas lembranças exige de nós a certeza de que observaremos o desenrolar dos acontecimentos como se fôssemos ao mesmo tempo, protagonista e observador. Como se houvesse o eu, que descreve a ação e um outro eu que a vê com os olhos do agora. Oxalá muitos dos personagens citados neste livro houvessem escrito suas memórias o que Betinho teve a coragem de fazer.

           Logo no início do livro, o autor questiona, ansiando por se autoconhecer:

          “por que tanta sensibilidade que faz com que eu potencialize sofrimentos e mergulhe em meus sonhos de forma tão intensa?”

           Os pensamentos do autor ocorrem aos saltos e ele vai escrevendo num vai e vem, sem seguir uma linearidade temporal, próprio de quem quer contar tudo, sem nada perder o que torna a leitura mais instigante. Seguirei o mesmo estilo. Impossível colocar aqui todos os textos e aforismos que destaquei desta narrativa onde o autor está sempre deixando transparecer sua sensibilidade (P. 9):

          “...nossa fragilidade no mundo e nossa pequenez perante essa exacerbação de coisas e de fatos que rodeiam nossas vidas...”

           E nesta autoanálise reconhece:

          “nunca foi fácil ser quem eu sou! Era muito difícil quando criança. Eu sentia o peso das responsabilidades que eu me impunha e não conseguia explicar para ninguém.”

           Há um transbordar de ternura e carinho quando se refere à sua mãe e ao seu “enorme” amigo, Aluízio Viana. Estes comentários são apenas sinalizações a lhes despertar a vontade de conhecer mais desta grande aventura de um sonhador e suas pegadas deixadas nas trilhas que o conduziram aos lugares e momentos mais caros de sua existência. Ele que leu aos quatro anos e nunca mais parou, que se diz resistente, que reza todas as noites, mas dá bronca a Deus, que fala com os mortos, viaja no caminho dos perfumes, sempre enfrentou os desafios que a vida lhe apresentou e como não poderia deixar de ser viveu inúmeros momentos de vitórias e realizações  pessoais.

          Na (P. 19), Betinho desabafa:

          “Tenho 69 anos de dores, de inquietudes, de autocobranças e de realizações menores do que aquelas para as quais um dia me planejei.”

           O caminho nas nuvens é o quarto livro de Betinho que se declara artista plástico e animador cultural; se aposentou no magistério na FURG-RS; fundou e dirigiu um grupo teatral, O Flato do Gato; foi premiado em vários salões, exposições e galerias de relevo nacional e internacional. Segui-lo nesta sua jornada é nos tornarmos cúmplices de uma vida bem vivida, sem querermos perder nenhum detalhe como as doces lembranças da infância e vivências familiares, repletas de amor, ternura e respeito, aqui compartilhadas (p.21 a 24). São cenas de uma família que podemos classificar como modelo. A narrativa, vai registrando os fatos históricos e sua repercussão na sua cidade e na vida do seu povo: a construção de Brasília, a decadência da Usina e da Fábrica de tecidos Peri Peri, bem como o reacender da esperança com a instalação da nova fábrica do cimento Campeão, a COMINCI.  (P. 60).

            Como não podia ser diferente a todo aquele que os viveu, o autor decanta os anos sessenta (P. 65): - “A história do mundo, certamente se divide em antes e depois dos anos sessenta.” -  Para em seguida, discorrer sobre o lamentável período histórico político que se iniciava no Brasil a partir de 1964. Tema que será abordado por ele mais adiante.

            A existência humana não passa de uma pequena passagem quando a vemos na totalidade. Entretanto, há uma grande riqueza de imagens, reflexões, fotografias das almas que conviveram e participaram dos momentos mais significativos vividos por alguém. Assim foi com seu pai: respeito e amor:  

            “A cabeça pensava e o corpo não obedecia. Assim foi minha curta carreira futebolística, sem glórias. Fiz gols, um ou outro, aqui e ali... Muito pouco para quem sonhou um dia jogar no Cruzeiro para dar uma alegria para o meu pai.”

           “Entre eu e meu pai, o futebol foi a ligação mais forte. Talvez se eu tivesse a tendência para a música pudéssemos ter nos conectado mais. Creio que ele tinha uma tristeza por nenhum dos filhos ter escolhido os caminhos musicais, ele que era clarinetista e talvez sonhasse com isso.” (P. 75).

           Arguto e sensível, jovem, entre 15 a 18 anos, Betinho foi capaz de admirar e ter como modelos seus professores e outros jovens que não se acomodavam, mas estavam sempre em busca de alguma realização fora dos estreitos limites de uma cidade pequena em tempos de raras chances:

           “Eu tive, já disse aqui, professores especialíssimos, privilégio imenso considerando a nossa Matozinhos pequenininha e de pouca tradição intelectual.”

           Cita: Arsênio Flávio, Geraldo de Paula Martins, Antônio Drumond, entre outros jovens professores que se destacaram pela inteligência e esforço. E continua lembrando aquela fase de ouro da Educação na sua cidade:

           “...o poder intelectual de uma família: Nilse, Afonso e Lincoln Pezzini, três irmãos brilhantes.”

           Aqui me faço também saudosista ao evocar a figura dos professores citados anteriormente. Fui aluna de Afonso e Lincoln e me permito acrescentar à expressão “poder intelectual”: “o ideal e a vida dedicada ao ensino.” Destaco o nome de Nilse Mercês Pezzini uma mulher que nasceu para o sagrado ofício do magistério deixando sua marca na história da Educação em Matozinhos. Permito-me ainda, destacar uma citação do autor, neste espaço de saudosismo e saudade:

          “Lincoln ou Babi, como era conhecido, não pertenceu à minha geração embora isso não me impedisse de admirá-lo. Foi meu professor de Geografia, dando aula com clareza e método. Foi um dos primeiros intelectuais que me serviram de referência, determinando admiração e respeito.”

            Com Betinho, revivemos as lembranças da sua vida e concomitantemente, da história da cidade de Matozinhos. Uma vida replena de afetos, aventuras, responsabilidades, lutas, sonhos e realizações que nos remete àqueles tempos em que “éramos felizes e não sabíamos”. Com alguns trechos, sem comentários, completo este prólogo, evitando cansar o leitor, certamente ávido de encetar esta viagem pelos caminhos nas nuvens, com Betinho, ou Geraldo Roberto da Silva.

            “ O Colégio Estadual já existia e lançaria em 1966  o Científico e se tornaria, naqueles anos seguintes, uma referência no ensino da região pela qualidade indiscutível de seus professores: Arsênio e posteriormente Dona Carolina, em Português; Geraldo de Paula Martins, em Matemática; Lincoln Pezzini, em Geografia; Afonso Pezzini, em Química e Biologia, entre outros.”

 

            “Eu acompanhava desde 61, ano de posse e renúncia de Jânio Quadros, as oscilações nos caminhos do Brasil. Vi o país com cheiro de pólvora querendo impedir que João Goulart, o vice, assumisse, acendendo a perspectiva de golpe vinda dos quartéis.”

            “Contradigo-me mais uma vez dizendo que rezo todas as noites e desaforadamente digo que duvido de Deus. Peço sempre a Ele desculpas por ter tantas dúvidas, mas que cuide, ignorando o meu desaforo, desses meus afetos aí enumerados, sem se esquecer dos bichos, é claro! E juro, com meus desafetos, minha maneira de oferecer a outra face é rezando por eles.”

            “A vida é uma coisa louca e cheia de mistérios! Julgo isso quando penso em mim, penso em por que “eu”, por que tanta sensibilidade que faz, como sempre digo, que eu potencialize sofrimentos e mergulhe em meus sonhos de forma tão intensa. Mergulho, sem tapar o nariz! Foda-se se me afogo...”

           “Marcar um gol é como dar um beijo, como achar a palavra certa que arremata um texto, como reler Carpentier...”

            “Pudesse, às vezes, eu pararia o tempo e transformaria os momentos bons que vivi em uma constante mágica que revestisse de eternidade esses eventos. Pudesse, eu não acordaria de certos sonhos! Pudesse, eu não deixaria a saudade doer e arderem meus olhos como agora, quando me proponho lembrar de tudo. O mundo segue lá fora, além da minha janela e de todas as janelas. Ouço barulhos do meu quintal: pássaros e murmúrios mágicos que não sei de onde vêm. Distraio-me vendo um pequeno beija-flor buscando a flor que quer beijar.”

 

Não perca a oportunidade de fazer você mesmo essa viagem no tempo das gratas lembranças, muitas delas vividas também por nós ou como protagonistas ou como observadores. Paul Valéry diz que passado e presente são as duas maiores invenções da humanidade. Nosso autor uniu os elos desses tempos supostamente contrários, pela memória. Que seja um exemplo de vida a nos desafiar.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          

Martha Tavares Pezzini

           Pedagoga - Orientadora Educacional; escritora e poeta.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Metade - Ferreira Gullar

 

    Metade

              Ferreira Gullar

Que a força do medo que eu tenho,

não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo o que acredito

Não me tape os ouvidos e a boca.

 

Porque metade de mim é o que eu grito,

Mas a outra metade é silêncio...

 

Que a música que eu ouço ao longe,

seja linda, ainda que triste...

Que a mulher que eu amo

seja para sempre amada

mesmo que distante.

 

Porque metade de mim é partida,

mas a outra metade é saudade.

 

Que as palavras que eu falo

não sejam ouvidas como prece

e nem repetidas com fervor,

apenas respeitadas,

como a única coisa que resta

a um homem inundado de sentimentos.

 

Porque metade de mim é o que ouço,

Mas a outra metade é o que calo.

 

Que essa minha vontade de ir embora

se transforme na calma e na paz

que eu mereço.

E que essa tensão

que me corrói por dentro

seja um dia recompensada.

 

Porque metade de mim é o que eu penso,

Mas a outra metade é um vulcão.

 

Que o medo da solidão se afaste

e que o convívio comigo mesmo

se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto,

um doce sorriso,

que me lembro ter dado na infância.

 

Porque metade de mim

é a lembrança do que fui,

a outra metade eu não sei.

 

Que não seja preciso mais do que

uma simples alegria

para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio

me fale cada vez mais.

 

Porque metade de mim

é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

 

Que a arte nos aponte uma resposta,

mesmo que ela não saiba.

E que ninguém a tente complicar

porque é preciso simplicidade

para fazê-la florecer.

E que a minha loucura seja perdoada.

 

Porque metade de mim é amor,

e a outra metade...

também.

 

 

sábado, 18 de setembro de 2021

Conversa - Martha Tavares Pezzini

 

         Conversa

 

        - Olá, Vida!  Estou sentindo necessidade de parar, fazer um passeio andando devagar, sentar num jardim ou quem sabe, num parque, para conversar um pouco, ver gente passar, sentir a brisa no rosto, olhar o céu. Comer hambúrguer, cachorro quente ou  churros. Você tem corrido muito e me atropelado, está bagunçando minha casa e embaralhando meus pensamentos. Não estou conseguindo lhe acompanhar! Estou pensando em marcarmos um encontro para discutirmos e quem sabe, nos acertarmos alguns pontos. Podemos agendar esse encontro para amanhã. Sábado é um bom dia, desde que se faça logo o que precisa ser feito, antes que outras solicitações sabáticas nos absorvam. Combino, por WhatsApp o local.

      Não vou me preparar para o encontro. Será mais uma sexta-feira, que passa correndo sem que eu consiga realizar tudo a que me propus. E não suporto mais ouvir falar: “Sextou!” - Ando muito intolerante com tantas expressões novas, chavões repetidos até, na cabeça da gente – Mas é melhor um sextou do que um surtou. De todo jeito, aposentado ou na ativa, celebremos o esperado quinto dia,  partamos para o descanso do final da semana que  para mim já não faz diferença, mas para tomar um vinho, quem precisa sextar?            

Agora só falta escolher um lugar tranquilo, para a nossa conversa. Pensei um pouco e não estou encontrando. A única praça que já sentei algumas vezes foi a Praça da Liberdade, que talvez, não esteja tão tranquila no sábado. Acabei de me lembrar de um bom lugar: uma biblioteca.

              É sábado, está quase na hora combinada. Dirijo-me à Biblioteca, pego um livro e como não tinha intenção de ler peço um livro meu, o que funciona como uma confirmação da sua presença naquele acervo. Em seguida procuro um lugar para me sentar. Trago comigo um caderno para usar se se fizer necessário. Fecho os olhos e me contato com meus pensamentos:

                - Podemos começar pelas melhores partes que você me permitiu viver pois antes de me queixar, tenho muito a agradecer. 

                 MTP

                To be continued

                 



            

 

 

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Propostas de Setembro - Martha Tavares Pezzini

 


Propostas de Setembro
 
Surge, Setembro com mil propostas imperdíveis:
espaventar o frio, aquecer os corações e o ar
pintar as cercas dos jardins, encher os canteiros
com flores e muitas cores;
usar roupas coloridas como os amores;
escancarar as janelas da casa e do coração
Para a ouvir os pássaros e o vento;
sair de casa e sentir na pele, o sol.
Para tornar ainda mais profícuo esse tempo,
propõe que o amor seja a meta e a condição,
parceiro da Paz, harmonia e transformação.
 
Martha Tavares Pezzini

terça-feira, 27 de julho de 2021

Terapia infalível - Martha Tavares Pezzini

 Terapia infalível

Na rotina do dia, em casa, onde executamos tarefas, algumas repetitivas outras alternativas, nem todas as atividades podem ser classificadas como prazerosas. Parecem mesmo serem realizadas automaticamente, quase como inevitáveis. Administrar isto, vai depender do nosso condicionamento para adaptarmos às situações adversas, que podemos resumir no tal jogo de cintura.

Outros fatores têm que ser considerados, como por exemplo as ferramentas que nos assessoram. É uma vasta lista onde há preferências, tolerâncias e rejeições. Posso passar bem, privada de algumas delas. Mas duas são indispensáveis e tenho necessidade de saber que estão lá, disponíveis para eu me sentir no controle da situação: o computador e a lavadora de roupas.

Ontem embaracei o pé no fio que carregava meu laptop resultando numa estrondosa queda, deixando-o inoperante. Ainda bem que não caí e não fui avariada. Estou temporariamente sem ele, minha companhia constante. Como um cão fiel, só que não tão fiel. Brigamos muito, e desabafo xingando a Microsoft com saudades, às vezes, do Windows 7.

Mesmo assim parece que falta alguma coisa na casa. Estou usando o iPad, mas não é a mesma coisa.

A lavadora de roupas, por sua vez, cumpriu hoje, perfeitamente, o seu papel.

Minhas filhas costumam dizer, com um toque de humor, que fico feliz juntando roupa para colocar na máquina. Já sabem que se o tédio rondar pela casa, lá vou eu ligar a lavadora.

Não sei expressar com um termo correto o que sinto. Mas me acalmo e me esqueço do que não quero me lembrar enquanto separo as peças pela espécie e cor, coloco outras nas sacolas protetoras, tendo como fundo musical o som da água enchendo o recipiente, feliz, antecipando o resultado. A apoteose da operação é a satisfação de pendurar as peças limpas e perfumadas, satisfação que não tem preço.

Outro consolo para não perder o sono, caso ocorra uma pane mecânica é saber que o pessoal autorizado da Brastemp, para a manutenção, atende prontamente quando chamados, pois cobram caro e vendem as peças.

Nota: ainda farei uma consulta à Brastemp para esclarecer se a máquina engole meias.

Martha Tavares Pezzini