A entrevista:
Nilto  Maciel – Você está inscrito como Editor-Autor junto à Biblioteca  Nacional. Explique o que é isto, por favor. Como editor-autor, você  edita artesanalmente suas obras e as distribui a bibliotecas, amigos e  simpatizantes da literatura. Ou seja, você “trabalha” como editor e  distribuidor de sua obra. Isto o satisfaz? Não lhe parece injusto este  tipo de mercado?
Pedro  Du Bois – Há menos de 10 anos comecei a escrever de forma sistemática.  Sou tardio. Sem ter conhecimento do mercado editorial, e morando no  interior, fui atrás do que seria necessário para publicar um livro.  Descobri que sem “nome” e “posição” jamais conseguiria uma editora que  não me cobrasse caro e que fizesse a distribuição comercial dos volumes.  Beco sem saída. Informando-me, fui ao site da Fundação Biblioteca  Nacional e cheguei ao ISBN. Verifiquei que poderia me inscrever como  editor-autor e, assim, ficaria dispensado de contratar ou ser contratado  por uma editora formal. Também, precisei resolver a questão da ficha  catalográfica que, por lei, precisa ser assinada por bibliotecário  registrado e em atividade junto ao Conselho Regional de Biblioteconomia,  o que não temos em Itapema, Em Florianópolis, a bibliotecária  (Biblioteca Estadual) disse-me que faria “por fora”, cobrando 30% do  valor do salário mínimo; a CBL, respondeu-me cobrar para os não  associados (e eu não poderia me associar) 20% do salário mínimo. Fui  salvo pelo Clube dos Escritores Piracicaba, em convênio existente com a  UNIMEP, através da sua bibliotecária. Passei a editar meus livros em  casa, artesanalmente; uma gráfica local faz a grampagem e o refilamento;  minha mulher, Tânia, cria as capas (além da revisão e organização dos  poemas). Com tiragens mínimas, que distribuo entre escolas, bibliotecas,  amigos e amantes da literatura. Assim, posso “ditar” as minhas edições,  atualmente com cerca de 70 títulos. Busco pessoas com interesse na área  e em meus textos, para apresentações e prefácios. Com isso, atendo  apenas as minhas possibilidades em termos editoriais. Não me satisfaço  como escritor, pois são restritas as minhas chances de aproximação com  os leitores. Com editoras formais tenho apenas 3 títulos, Os Objetos e as Coisas, Scortecci, SP, como prêmio por haver vencido o Concurso Literário da Livraria Asabeça, 2005, na categoria poesia; A Criação Estética,  Editora Corpos, Portugal, 2009, através do site WAF, contra a entrega  dos direitos autorais; ainda à venda no referido site; e Seres, feito em casa, com o selo da Sarau das Letras, por deferência do editor-escritor Clauder Arcanjo.
Compreendo,  caro Nilto, que o mercado editorial sobrevive de negócios. Em nosso  país, poucos são os leitores e, mesmo assim, “abarrotados” em pseudo  romances e auto-ajudas. Literatura, muito pouco. Prevalece o “negócio”,  quase sempre no “toma lá, dá cá”. Os diversos níveis governamentais  pouco querem saber da produção literária: há dinheiro para dança,  capoeira, surf, carnaval etc e tal. Para uma ideia mais precisa, tanto  no governo do estado de Santa Catarina, quanto na prefeitura de Itapema,  a cultura (e nem falam em literatura) está incluída na Secretaria de  Esportes, Cultura e Lazer.
Há  a lei do mecenato, mas, por exemplo, ano desses comecei a preencher os  questionários da Petrobrás, desisti antes da terceira página. Não há  chance, a não ser que se contratem escritórios especializados, tal a  complexidade burocrática que cercam tais eventos. 
Tenho  consciência de que, para alcançar público maior, teria de abrir mão da  minha concepção criadora e redacional. Gosto do que faço, não tenho  vontade, nem condições de alterar meu conteúdo e formato.
Acho  injusto não ter a oportunidade de trabalhar meus poemas junto ao  público, mas, satisfaço-me com os retornos que, diariamente, tenho  recebido. Sem contar a gentileza encontrada em tantos sites e blogs que  sempre estão a me acolher, como em seu espaço.
NM  – Os blogs literários são substitutos das editoras? Não teria chegado a  hora derradeira das editoras? Numa nova divisão do “mercado das  letras”, às editoras caberia publicar a Bíblia, o Corão, pensamentos de  gurus, romances de aventuras, etc. Ficaria com os blogueiros  (escritores) a “tarefa” de divulgar poesia, contos, romances, crônicas,  crítica literária, etc. Não precisa ser profeta para imaginar o novo  mundo, mas você pode falar disso? 
Pedro  – Transformada em negócios, a literatura “como expressão da condição  humana” não tem espaço nas editoras tradicionais. Até pode acontecer de  um ou outro nome, aqui no Brasil; ou, quem sabe, em países mais  estruturados do ponto de vista cultural. Agora, a “massa” de leitores é  atendida em textos padronizados, homogeneizados, sem profundidade, sem  lítero-filosofia, sem a abordagem do leitor como ser humano,  contraditório, frágil, porém interessado em melhorar o seu  relacionamento com a cultura dos diversos povos e das diversas visões.  As editoras negociais se atêm aos romances novelísticos, aos poemas de  mesmas coisas, e à indústria dos livros pagos por demanda. Difícil  entrar em uma livraria e dela sair com a certeza de que estão vendendo  literatura. Como a Feira do Livro de Porto Alegre, por exemplo, que  mereceu o comentário do jornalista Juremir da Silva de que lá até havia  objetos com o formato de livro, mas, livro, mesmo, quase nada. Outro  exemplo de como estão invertidos os procedimentos reside nos tantos  livros oriundos de scripts cinematográficos e ou televisivos, ou seja,  troca-se a filmagem da história pela edição em papel do que foram as  filmagens.
Gosto  muito do formato papel, entendo que nada o substitui. Talvez seja a  minha idade, o gosto em ter as mãos sobre o papel. A possibilidade da  anotação ao pé da página; o sublinhar de algum diálogo e/ou palavra; a  abertura do livro na página pré-demarcada. 
De  outro lado, vistos os “negócios” a cercar a edição dos livros e suas  implicações em relação ao que entendo por literatura, com certeza a  internet tem se destacado no surgimento de novos e bons escritores. Mas a  rede é dispersa e esgarçada. Todos os dias sou surpreendido com novos  (ou nem tão novos) escritores. Alguns, bem relacionados, são totalmente  desconhecidos na página seguinte. São difíceis os retornos: escritores,  parece-me, gostam de escrever; também são bons leitores, mas não são  contumazes e constantes interlocutores. Até porque, salvo os  escritores-acadêmicos que escrevem e descrevem o fazer literário (que em  geral estão posicionados contra a internet como local de disseminação  da literatura), mesmo que defendam com cada vez mais interesse e ímpeto  as letras tradicionais (ouvi de um acadêmico da ABL, em Curitiba, que  poesia é métrica e rima, pois, se não houver métrica e rima, como ele  poderia efetuar a comparação?), no geral os escritores são pessoas que  entendem ter algo para transmitir, mesmo que disso não tenham o  conhecimento teórico, nem se valham de arcabouços pré-estabelecidos.
Tenho  a internet como “campo” de resistência da nova e boa literatura,  descompromissada dos “negócios” editoriais; libertário e renovador,  mesmo que marginalizado, como parece ser – enquanto perdurarem as  editoras tradicionais e a (não) visão cultural das autoridades  constituídas – o futuro das letras.
NM  – Você escreve todo dia, tem horário para escrever, entende que  escrever é ofício, dedicação, ou espera a poesia acontecer? Seja como  for, de onde vem a poesia? Dos livros, da memória, da vida fora de você  (pessoas, coisas, animais, fatos), do espaço, do éter, de Deus ou dos  deuses? É preciso buscá-la, fazê-la, ou ela É, Está, bastando ao Poeta  captá-la, colhê-la, como se fossem borboletas, nuvens, mistérios em  constante passeio?
Pedro  – Caro Nilto, escrever faz parte do meu dia a dia. Basicamente, escrevo  todos os dias, sem horário fixo. Nem ofício, nem dedicação, nem espera.  Necessidade. E quando não estou escrevendo, geralmente, estou lendo  e/ou revisando meus textos. Às vezes, as ideias me ocorrem: uma palavra  solta, o sentido em alguma leitura, a visão antecipada e o diariamente.  Todos e tudo concorrem como inspiração. Nada acontece por acaso. Mas  nada se oferece como mistério. Gosto de trabalhar temas e palavras;  decompor palavras em palavras menores. Da oposição existente em termos  correlatos e/ou parecidos. Da grafia. Da recuperação do significado.  Desenvolvi em minha vida profissional a capacidade de “ver” o indevido, o  que está fora do padrão, o que está errado ou o que é dispendioso. Não  gosto da perda. Afinal, tantas administramos em nossas vidas. Leituras  me oferecem inspiração pela abertura em relação aos temas e assuntos. O  que deixou de ser dito, o que está nas entrelinhas e por trás das  palavras. A indistinção entre o humano, o animal e o objeto. A  abstração: retirar da concretude a inexistência e a transformá-la em  palavra. 
NM  – Qual o lugar da poesia escrita? Na estante de outros poetas? Nos  livros didáticos, para ensinar meninos a ler? Nas bibliotecas públicas,  para satisfazer a curiosidade de ensaístas malucos? No lixo, para ser  reciclada, virar filme, música, game, objeto de decoração, suvenir,  frente verso de camiseta?
Pedro  – Todas as opções podem estar corretas. Mas acrescento a leitura por  parte de interessados ávidos por poemas. Pessoas que verdadeiramente se  interessam pela poesia como literatura. Obviamente que como não temos  “escolas” poéticas, difícil fica internalizar o espírito da poesia.  Incutir nas pessoas a faculdade de interagir com o texto, vivenciar e  multiplicar metáforas, discutir e realizar o exercício poético  necessário ao acompanhamento dos textos, por mais herméticos que sejam.  Os “mentores” da nossa sociedade, consumista ao extremo, tentam  objetivar o conhecimento e o raciocínio, mas, como sempre, boa parte da  população – mesmo consumidores – (ainda) busca se realizar no plano  intelectual. Tenho a pretensão de que a poesia não tem limite de  validade, nem irá se acabar como literatura, pois a incerteza que  permeia nossas relações em relação ao outro e aos outros, e sobre o  nosso destino, sempre estará presente em cada pessoa, mesmo que no  recôndito de suas almas. Ou num último estertor a separar nossos  espíritos da materialidade que nos rodeia em objetos e coisas. 
NM  – Você escreve todo dia para quem? Para Tânia, para leitores  desconhecidos e conhecidos ou para você mesmo? Você se esforça para que a  sua poesia não se pareça com anúncio publicitário, notícia, comentário,  informação (é o que mais se lê por aí) ou essa dicção é natural em  você? 
Pedro  – Talvez a resposta tenha sido, em parte, respondida na pergunta  anterior, quando disse sobre as minhas razões para escrever. Escrevo  para o “outro”; seja eu mesmo, seja efetivamente o outro, mesmo que tal  não esteja plenamente consciente em mim. O “outro”, como meu  interlocutor, permite a fluência dos textos. Por mais hermético, pessoal  ou íntimo, todo poema, para mim, é forma de diálogo. Aqui, como na  questão anterior, também as demais respostas estão corretas. A Tânia é  minha frequência como inspiração e complemento; os conhecidos e os  desconhecidos leitores habitam meus temas com suas leituras e retornos.  Também sou meu leitor, porque a palavra é meu inconsciente aflorado,  mesmo que metaforicamente. Afinal, de quantas infâncias somos feitos,  não?
Quando  comecei a escrever, metódica e sistematicamente, tive o cuidado de  fugir ao lugar comum. Não que me pretenda “difícil” ou “pedante”, mas  porque não há razões para eu iniciar a escrever, depois de certa idade,  se não for para produzir algo que fuja ao corriqueiro, mesmo que me  utilize de formatos não revolucionários, ou que meu palavreado não se  esgarce em citações e/ou termos de difícil entendimento. Procuro fazer  com que a palavra comum, diria, possa se estender em significados, sendo  significante além do estrito sentido do termo. Essa é a minha dicção,  naturalmente, sem necessidade de esforço, contenção e desdobramentos  acadêmicos.
NM  – Não sei o que mais lhe perguntar. Se você quiser, faça sugestão de  pergunta. Agradecerei muito. Ou então encerre a entrevista com um recado  aos seus leitores. 
Pedro  – Caríssimo Nilto, agradeço pela sua paciência para comigo. Não tenho  como me fazer qualquer pergunta. Aos leitores digo que a leitura –  sempre e sempre – é o motor cultural. Existem outras formas de  expressão, mas todas passam pela leitura: esboço, arcabouço, traço,  letras, palavras. As explicações necessárias ao entendimento da obra –  mais das vezes – passam pelo relato, recado, cartas e bilhetes. Mesmo  que os textos, ao serem lidos, não sejam do nosso agrado e não nos  alterem o sentimento nem os sentidos, são necessários ao entendimento do  todo e, principalmente, à possibilidade de vermos neles o futuro.  Recomendo a leitura atenta e diária. As anotações. O sublinhar. A  atenção despertada em entrelinhas. Quando me canso da leitura, escrevo. E  procuro transmitir com as minhas palavras o tanto aprendido e  apreendido nas leituras. Interessantes essas minhas colocações, pois,  ontem, minha neta mais velha teve o prazer da leitura pela (sua)  primeira vez. Deliciou-se. E quer mais.