sábado, 19 de fevereiro de 2011

Poema Necessário



POEMA NECESSÁRIO / 104
Belo Horizonte, fevereiro, 2011.

Esta edição, enviada individualmente a 3.291 endereços eletrônicos, com poemas de YACILTON ALMEIDA, homenageia a RONALD CLAVER (Belo Horizonte) e a HELENICE BARATELLA (Presidente Prudente,SP).


1.

PRIMEIRA BUSCA

dá-me tuas mãos de chuva e vamos
pelos bosques da memória
vamos colher as ilusórias rosas
matizadas de esquecimento
que o tempo plantou
no jardim do vento

os tímpanos palpitam
os pântanos são luzes

os frutos lívidos da tarde
se despencam

dá tuas mãos de chuva
e vamos logo antes
que os dinossauros crepusculares
invadam

2.

FERRO E SEDA

aqui para sempre
me defino:um misto
um novo centauro:
um anjo e um cavalo
(cavalo de seda
num pasto de mitos
um anjo de ferro
de fogo e fragor)
dizer não importa
meu porte no espaço
tão pouco esse pouco
por que te transmudo:
galopo e me explodo
num chão de suor

SONETOS ÉBRIOS

3. 1
O poema não cai: custa-me o verso
sorvo os minutos num buquê de uísque
custa-me o verbo e a ideia de universo
e nada flui de eterno que eu não risque.
quero o verso mortal como a saudade
a lembrança a tristeza e as solidões
quero o verbo real como a maldade
luta desigual e as ilusões
de teto e de esperança e pão e amor
de paz e de igualdade e do calor
industrial comprado: sobre-humano.
quero vago o poema sem que fira
os ouvidos da noite e sem que a lira
desafinada imprima o desengano

3. 2.

quero vago o poema e mais inútil
que o brado surdo de um povo com fome
e a mensagem nascida do mais fútil
vocabulário rico de pronome
e vou sorvendo o uísque vagabundo
produto nacional a preço de ouro
como soe ser a vida e ser o mundo
irracional e torpe como um touro
e embriagadamente faço um feixe
de rimas dolorosas: faço um peixe
sem riacho sem lago rio ou mar:
um peixe de estampido e nele monto
e cavalgo no verso mais que tonto
e tropeço em linguagem sem parar

3.3.

querer o canto ausente da linguagem
entre os muros maciços da tristeza
é buscar nos invernos morna aragem
e conjurar os verbos da beleza
e os tropeços se aguçam: vou seguindo
nas explosões do mar em que me afogo
e enquanto em algum lugar há um dia lindo
impreco aos céus e a estes infernos rogo
um ponto de partida ou de chegada
e nado e luto e agarro a madrugada
nas espirais azuis do imenso mar.
inútil tentativa: outras linguagens
com seus roncos motores fuselagens
rasgam meu canto como uma nave o ar

3. 4.


eu náufrago de mim chego na praia
de retornados ontens pois que o tempo
futuro sem mistério já desmaia
nas antenas febris do pensamento.
os retornados ontens nos ensinam
que o futuro não fala português:
lições clarividentes e que animam
estes ébrios sonetos que me lês.
inútil busca e inútil tentativa:
o poema não passa de aflitiva
e pura e simples íntima explosão.
a poesia jamais será colhida
exceto quando se dispensa a vida
e o corpo veste as túnicas do chão

(in Metais da Lembrança, edição comemorativa dos 30 anos do Clube da Madrugada, Manaus, 1954-1984. Criação da capa: Aníbal Beça. Arte final da capa e ilustrações: Luiz Carlos)

SONETOS RUDIMENTARES

4. 1.

quatro e cinco da tarde na aspereza
do pulmão da cidade – praça pública
penso na morte: aqui é bom lugar
para sofrer tranquilo com as folhas

vejo flores na relva e passa a vida
completamente alheia a mim se vou
sorver a gota amarga da cantiga
de um pássaro de grito inverso ao vôo

quer chover e não chove – a tarde muda
de lugar pelas raízes das nuvens
e sob os ventos rubros das seis horas

se este pouco tem nume não se sabe
está nos átrios roxos de uma igreja
chorei serenamente com as rosas

4. 2.

os seus quarenta e cinco mil fantasmas
sob as copas da tarde sob as sombras
da noite congelada se entorpecem
grudados numa tela de tevê

às vezes eles vão de bicicleta
outras vezes a pé para os coretos
ouvir a filarmônica dos grilos
tocar a marcha fúnebre das horas

anoiteci quarenta e nove vezes
e amanheci no pó das madrugadas
para num cão já morto me esquecer

mas juro para a flor que nunca vi
tanta tristeza na tristeza alada
da cidade sem nem um colibri


4. 3.

cidade só dos mortos. perambula
um morcego batido de luar
ele vem das campinas (mensageiro
das grutas: sombra mínima da noite)

sugar o sangue azul da escuridão
das rosas de tristeza. paro e penso
em respirar um ar menos intenso
de silêncio: cidade sortilégio

busquei as duas lâmpadas do poste
e das nuvens também de mariposas
e a do chão decantado de soluços:

minha dupla visão de enlouquecer
de tanta lucidez. sorrir é tudo
na hora da tristeza apodrecer


4. 4.

um gato de alvaiade mia rouco
pelas ruas lavadas de neblina
o chão respira pétalas. o gato
morre à sombra gelada de uma rosa

a cidade é deserta. um assovio
percorre a quietude da avenida
ecos do frio? não. foi belzebu
tocando flauta quando aqui passou

no relógio da torre é meia-noite
o fedor do silêncio podre exala
o puro enxofre e o gato morto agora


debaixo da roseira tem os olhos
crispados de rubi quando cintila
a flauta no sereno: grama e lua.

(Porto Alegre)
Estes 4 Sonetos Rudimentares saíram primeiro no  Suplemento Literário do MINAS GERAIS,  ed. 1137, 6, janeiro, 1990, pp. 4,5)



DA BAHIA PARA O BRASIL: YACILTON ALMEIDA

Nasceu em Canavieiras, l948, BA, o Autor de Metais da Lembrança (1984). Viajou a trabalho pelo Brasil e por alguns países do Exterior. E sempre, quando conheci o Poeta, como arremates de ofício, falando poemas e dizendo de Poesia. Entrei em contato com o Yacilton tão logo li poema dele no então Suplemento Literário do Minas Gerais. E escrevi ao Poeta contando meu entusiasmo com as várias leituras do longopoema sobre a Rua Guarani, onde o hotel em que ele pousava aqui em Belo Horizonte. Após o meu expediente e o dele, lá passamos horas poetando com as goelas molhadas de bons uísques e, quase sempre, de melhores cachaças mineiras nalguns butecos das redondezas.
 O conterrâneo e bom representante de Castro Alves, Gregório de Matos e de outros arretados vates baianos de todos os tempos, Yacilton entremeava poemas misturados com baianísticas admirações pelas moças destas alterosas e da hospitalidade mineira...

Em uma das vindas por estas bandas, curtiu semana numa rede do quintal de minha casa, quando escreveu sonetos até para a Cadela Pastor Lyra (também com este nome...). Improvisava loas loquazes aos almoços preparados pela Teresa para ele, o visitante raro, especial amigo e considerado poeta. Dormiu no quarto do Rodrigo, refestelado num colchonete imitativo de cama decente. Foi quando também, sendo admirador, a dois comigo, da Elisete Cardoso, me despertou a atenção para uma faixa do vinil duplo de um recital da Divina, no Teatro João Caetano, Rio, acolitada pelo Zimbo Trio e mais divinizada pelo bandolim do Jacó. A faixa: Meiga Presença, que, mais tarde descobri ser Paulo Valdez o autor da canção indicado no disco filho da Elisete. A faixa histórica, pois, é de autoria de filho e mãe. Considero essa peça, sem duvidar, uma das mais bonitas composições de nosso cancioneiro popular moderno...

Iremos num sem ponto final adiante nestas relembranças de espaço sem medida...

Ontem, escrevi ao Poeta Jorge Tufic, em Fortaleza, para confirmar o endereço residencial do Yacilton em silêncio há poucos anos. Me respondeu, lamentoso “... vive sendo cuidado pela mulher dele, de nome Jussara. Ele não mexe com internet, apesar de ainda escrever poemas admiráveis...”

Lidos, então, alguns poemas de Metais, me obriga a sobriedade de espaço e profissional registro de duas apenas anotações críticas e biográfica sobre seus poemas.

“... é um livro que veio para ser incorporado àqueles que se libertaram das formas e das fôrmas de poesia tradicional, mas sem cair no radicalismo lúdico-artesanal de certas experiências ditas de vanguarda. Seu jovem autor traz respaldo interior dificilmente encontrado em poetas de sua geração...” Antísthenes Pinto.

“... viveu em Canavieiras parte substancial de sua existência e já carregada de notável soma de experiência, vivida ali sua áspera infância, veio Yacilton para o Rio e, aqui, ligado às vanguardas que dominaram a poesia dos anos 60, aprestou-se para o seu desempenho atual. Surpreendentemente, porém, foi junto à poesia amazonense contemporânea, representada pelos poetas do Clube da Madrugada, que Yacilton Almeida encontrou o clima sob cujas influências desabrochou o seu esplêndido talento.” Alencar e Silva, Rio, 1978.

Esta edição de PN procura, acima de tudo, resgatar, para um público mais amplo, uma de nossas mais criativas vozes da criação poética contemporânea brasileira.

(PM)



quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

4ª Edição do Prêmio Minas Gerais de Literatura


Inscrições para quarta edição do Prêmio Minas Gerais de Literatura abertas até 4 de março

Da Redação, com agência

Belo Horizonte - Amantes da arte literária têm até o dia 4 de março para inscrever suas obras na 4ª edição do Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura. Serão distribuídos R$ 212 mil em prêmios aos vencedores. São quatro as categorias do concurso: Conjunto da Obra, em que um escritor brasileiro vivo é homenageado; Poesia; Ficção (romance); e Jovem Escritor Mineiro.
 
Citada pela Agência Minas, a secretária de Estado de Cultura, Eliane Parreiras, diz que “o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura já está consolidado nacionalmente como uma das premiações de forte estímulo à literatura mineira e brasileira”.

Jovens talentos

Uma das categorias que vem chamando a atenção do concurso é a de Jovem Escritor Mineiro. A categoria tem revelado jovens talentos como Rafael Abras. Premiado na categoria Jovem Escritor Mineiro da 3ª edição, Rafael defende que “a leitura é, sobretudo, um meio de construção pessoal, de formação de caráter e consciência”.
Na categoria Ficção, o livro vencedor da 3ª edição foi “O tempo em estado sólido”, da cearense Tércia Montenegro, que concorreu com 228 trabalhos.
Também em 2010, o recorde no número de inscrições do concurso ficou com a poesia, totalizando 667 concorrentes. Bruno Brum venceu com “Anaeróbica”. Já para a categoria Conjunto da Obra, a comissão julgadora indicou o escritor Silviano Santiago, autor de sólida e abrangente obra literária.
 
 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

52ª Edição do Prêmio Jabuti

O Jabuti é o maior prêmio literário do país. Em sua 52ª edição foram premiados três livros em cada uma das 21 categorias, que estão entre as melhores publicações de 2009. Confira abaixo os vencedores nas categorias romance, contos e crônicas, poesia e biografia. O prêmio agracia, ainda, tradutores, reportagens, infantis, juvenis, etc.

Romance
1º) Se eu Fechar os Olhos, Edney Silvestre (Record)
2º) Leite Derramado, Chico Buarque (Companhia das Letras)
3º) Os Espiões, Luis Fernando Veríssimo (Objetiva)

Contos e crônicas
1º) Eu Perguntei pro Velho se ele Queria Morrer (e Outras Histórias de Amor), José Rezende Jr. (7Letras)
2º) A Máquina de Revelar Destinos Não Cumpridos, Vário do Andaraí (Dimensão)
3º) Paulicéia Dilacerada, Mario Chamie (Funpec)

Poesia
1º) Passageira em Trânsito, Marina Colasanti (Record)
2º) Sangradas Escrituras, Reynaldo Jardim Silveira (Star Print)
3º) Lar, Armando Freitas Filho (Companhia das Letras)

Biografia
1º) Nem Vem que Não Tem: Vida e Veneno de Wilson Simonal, Ricardo Alexandre (Globo)
2º) Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão, Lira Neto (Companhia das Letras) e Euclides da Cunha: Uma Odisséia nos Trópicos, Frederic Armony (Ateliê Editorial)
3º) Bendito, Maldito: Uma Biografia de Plínio Marcos, Oswaldo Mendes (Leya).





sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O Altar & o Trono

      Entre os 10  melhores livros de 2010, O Altar & O Trono - de Ivan Teixeira

     Fonte Revista Veja, dez 2010
O Altar e o Trono entre os 10 melhores livros de 2010

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

LANÇAMENTO DE L IVRO

    Lançamento:

    O premiado autor mineiro, FÁBIO LUCAS, estará lançando seu novo livro  "FICÇÕES DE GUIMARÃES ROSA  - perspectivas", em Belo Horizonte. Será na Academia Mineira de Letras, no dia 10 de fevereiro, a partir das 18 horas.
  Em São Paulo, será na Academia Paulista de Letras, no dia 17 de março, a partir das 18 horas.
  Fábio Lucas é membro das duas Academias. 

  Martha 

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

LITERATURA PERDE UM BOM ESCRITOR

 


LITERATURA PERDE UM BOM ESCRITOR
Paschoal Motta

Faleceu recentemente o escritor rio-grandense do norte Salatiel Queiroz. Residiu em Minas desde a juventude onde constituiu família. Deixou um livro de crônicas, Cometimentos, em que transfigura nosso cotidiano, aqui e em outros lugares. Legou a admiradores da boa escrita, textos de admirável realização em Língua Portuguesa. Confessava ter estudado apenas o Primário em sua terra natal. Quase inacreditável o aproveitamento que conseguia com as possibilidades de expressão do nosso sistema linguístico.
Sua desenvoltura no trato com a linguagem, era resultado de permanentes leituras, mais uma inteligência privilegiada e rara sensibilidade para com os humanos e os animais.
Amigos de Salatiel lamentam o desaparecimento do amigo e da impossibilidade de seus textos não terem tido oportunidade de
um público bem maior. Principalmente diante das ameaças que vem sofrendo a Flor do Lácio em mãos de profissionais despreparados nas áreas da comunicação.
 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

DE POESIA E VIDA

DE POESIA E VIDA

Paschoal Motta

Surpreendentes os caminhos desta jornada na casca do Planeta, quando viajamos guiados pelo farol da Literatura. Tanto norteia, quanto atrai para a fonte das palavras do homem, transfiguradas num poema. Aí, ilumina o chão da vida; compõe uma paisagem multicolorida de revelações. Filtrada pelos vidros do vitral do artista, essa luz misteriosa poderá  iluminar o túnel de nossa perplexidade na experiência de adivinhações. Somos iluminados com sua graça, que nos aproxima da Divindade.

O poeta quer a eternidade de suas incursões, lucubrações e descobertas, pela mística do divino. A solução de sua insatisfação no mistério do ser e estar aqui; na ânsia de passar a sensibilidade para o próximo com os despistes que lhe são inerentes na especial modalidade no veicular decifrações; no aproximar-se do mais puro para atingir a precariedade material da condição humana.
E é pela palavra que a Poesia se humaniza, na sua expressão metalinguística; assim, nos acende e ascende até lá de onde acenam os deuses dos mistérios.

A Poesia é procura e encontro de nossas origens.

O poeta reinventa o Mundo com palavras, numa divindade de fundação criadora. Nada mais infantil que criar Arte, nada mais artístico que reescrever a infância. Daí, a busca de origens, a criação de mundos sem manchas, defeitos. Daí, essa loucura de que é vítima o poeta numa destinação de aproximar as pessoas para o alto e oferecer-lhes participação nesse gozo de inventar. Um deus diante de sua obra e nela soberano... Carece, mesmo assim, de público para participação da espécie humana na sua destinação duma luz distante. E,
assim, um homem como qualquer outro homem, como já nos colocou Cassiano Ricardo.

E, aí, a função da Poesia veiculada pelo Poietés, aquele que faz. Daí para a frente, tudo será possível, até a eliminação da dor e a satisfação da fome. A Poesia não mata fome nem sede, mas rejuvenesce a esperança e alimenta o coração para que não as aceitemos. Isso os criadores de poemas perseguem, desde as figurações sumérias, desde as figurações rupestres; desde sempre e por todos os meios cada vez mais possíveis, agem como a Natureza, lenta nas transformações. É por aí esse caminho na ânsia de áreas serenas da sensibilidade necessária para a plenitude da existência.
Longo o percurso nesse fazer, nesse transfigurar a inocência em extinção. Há poemas que nos tocam a inteligência e a sensibilidade. E vibramos pela oportunidade e surpresa deles. Eles nos conduzem com seu aprendizado de vida na emoção. E essa viagem é sempre numa ida, numa sempre procura na passagem pela ponte movediça das controvérsias sobre as águas dos preconceitos. 
Você abre a porta de uma casa de brinquedos; entra nela; descortina as janelas; olha para fora, para as meninices das claridades de que carecemos.
 
Afinal, um poema é uma experiência de vida, que nos nasce e nos renova.

A Primavera!

(de Poeta e Poesia, trecho de ensaio inédito)