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O título já não cumpre o protocolo exato como no início. Abriu-se à Literatura e outras formas de Cultura
quinta-feira, 30 de maio de 2013
Os poetas não devem ser levados a sério - Affonso Romanode Sant'Anna
A Marquesa - Regina Araújo
Regina Araújo |
Na casa de meus avós tinha uma mesa de canto que era conhecida como Marquesa... redonda, pés um poucos curvos, porém elegantes e garbosos. Exibia sua imponência no canto da sala de visitas, com direito a forro de renda de bilro e jarro de flores colhidas no jardim da casa.
Fora construída por meu avô; era costume na época o noivo talhar a madeira e criar todos os móveis para o futuro lar. E assim ele fez... em tudo um toque de elegância, porém paradoxal simplicidade e sobriedade emergiam de tudo o que fizera. E, nada é eterno, todos sabemos... desgastam-se o corpo físico, a mente, os bens imóveis e os móveis também.
Por duas vezes minha avó reclamou que a "Marquesa" estava mancando (um pé estava gasto) . Meu avô tentou consertar... mas pareceu-me que ela queria mesmo era continuar como estava. E incrível cumplicidade havia se estabelecido entre eles... notei.
Inexorável o tempo... quando jovens atraímos em um primeiro momento pela beleza exterior. Chegados os tempos em que a idade avança, outras belezas que, cultivadas ao longo de nossa caminhada, passam a ser o nosso referencial.
E assim procedia a Marquesa... estava cansada de ser bibelô, admirada apenas pela sua beleza e imponência. Invejava, quem sabe, o banco que reinava na grande cozinha com toda sua rústica simplicidade.
E, não tinha jeito : mexia daqui, mexia dali, e a Marquesa resoluta, continuava a "mancar".
Certo dia meu avô passou afobado pela cozinha... segui-lhe os passos e a expressão. Rumou para o fogão de lenha com a Marquesa aos pedaços, o machado nas mãos. Apenas disse em alto e bom tom que na vida tudo tem princípio, meio e fim. E ainda completou, profetizando: “ quem não quer ficar de pé e teima em viver mancando , daqui uns dias estará de joelhos ou estatelada no chão frio." Então, terá mais serventia como lenha que aquece e aviva o fogo do que papa fina de cupins, que certamente a espreitam. Quer ocaso mais triste ?
Era assim que resolvia as coisas que sinalizavam não ter ou querer conserto... ou com o que ele pressentia que um dia perdera o encanto e a utilidade. Considerou que arder no fogão de lenha e aquecer a serpentina seria mais digno para a imponente e tão querida "Marquesa" do que estatelar-se ao chão, vencida pelo tempo.
Pareceu-me radicalismo , tanto que chorei muito neste dia... não só por causa da Marquesa mas também pelo que considerei ser submissão de minha avó em não interceder por ela.
Mas o andar da vida fez-me entender muitos porquês; inclusive que na vida desvencilhar-se e praticar o desapego são muitas vezes questão de sobrevivência e evolução.
E que o desapego é questão de maturidade a aprendizado... afinal a vida é mesmo uma escola constante.
Onde as perdas são necessárias para o simples ganho de sabedoria e do sobreviver, apesar de...
sábado, 25 de maio de 2013
De um diário ocasional - Paschoal Motta
DE UM DIÁRIO OCASIONAL
Estou em São
Pedro dos Ferros. Tem um bar perto e vez por outra vou lá tomar algumas, papear
e jogar sinuca... De noite, calor, quase 23 horas. Aí para um carro, e o
motorista se integra a amigos dele na calçada. E, para variar, liga o
indefectível "som" e, para não perder o costume, a todo volume com
dessas "músicas" que dominam e bombam audiências... E, para ficar
tudo de conforme,o filhote do paizão canta a toda goela com o
"cantor" do som do carro. A educação musical também deve
ser de berço... Eta ferro! Tinha de ver o entusiasmo do
pequeno ferrense: "... ai que vontade de morrer / se eu não ter
seu coração / se não quer me amar...
O menino,
uns 10 anos, no máximo, gritava ao pai, gritava para mostrar que ele também
sabia fazer bonito, enquanto tomava fôlego... Penso com meu copo de
cerveja: isso é no Brasil, do Oiapoque ao Chuí...
Cortar,
para outro menino, também de dez anos, lá nos cafundós da Zona da
Mata Mineira, por coincidência, escutando Almirante narrando a vida do
Poeta da Vila (Isabel) e apresentando, de entremeio, composições do moço
carioca, que cascou no cerrado o mais depressa que conseguiu... E o menino
interiorano não tinha ainda rádio em casa. Toda quarta-feira, de noite,
pedia à mãe para ir escutar na casa da irmã o programa que o tinha fisgado
e o irá moldar, esteticamente, pelos tempos vindouros... E ele também cantava,
quase em silêncio, para decorar as letras do Poeta da Vila...
"Quem
acha vive se perdendo / por isso a agora vou-me defendendo / da dor tão
cruel de uma saudade...
Quando o apito da fábrica de tecidos / vem
ferir os meus ouvidos / eu me lembro de Você...
Nosso amor
que eu não esqueço / e que teve seu começo / numa festa de São João...
Pra que mentir, / se tu ainda não tens a mania
/ de toda mulher... / se eu sei que gostas de outro / que te diz que não
te quer...
E aquele
menino, que nem tinha rádio em casa, ficava, antes de dormir, de ouvido fora do
travesseiro, antenado, para captar algum raro rádio que trasmitisse algum samba
do Poeta da Vila, e ele pegasse mais algum verso para completar o que até
então tinha decorado...E conseguia. E sem querer, por simples
coincidência, afinava o ouvido numa cadência...
Logo depois,
ele ia conhecer Castro Alves... Auriverde pendão de minha terra /
que a brisa do Brasil beija e balança...
A cabeça não cabia tanto, e o menino ia entulhando a fala nacional num
ritmo, num envolvimento, numas estruturas, numas expressividades, nuns
encantos, nuns encantamentos, e ele também começava a imitar e chamar
de poemas... para seguir menino.
PM,
28-10-2012
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