sábado, 25 de maio de 2013

De um diário ocasional - Paschoal Motta




DE UM DIÁRIO OCASIONAL

Estou em São Pedro dos Ferros. Tem um bar perto e vez por outra vou lá tomar algumas, papear e jogar sinuca... De noite, calor, quase 23 horas. Aí para um carro, e o motorista se integra a amigos dele na calçada. E, para variar, liga o indefectível "som" e, para não perder o costume, a todo volume com dessas "músicas" que dominam e bombam audiências... E, para ficar tudo de conforme,o filhote do paizão canta a toda goela com o "cantor" do som do carro. A educação musical também deve  ser de berço... Eta ferro! Tinha de ver o entusiasmo do pequeno ferrense: "... ai que vontade de morrer / se eu não ter seu coração / se não quer me amar...
O menino, uns 10 anos, no máximo, gritava ao pai, gritava para mostrar que ele também sabia fazer bonito, enquanto tomava fôlego... Penso com meu copo de cerveja: isso é no Brasil, do Oiapoque ao Chuí...

Cortar, para outro menino, também de dez anos, lá nos cafundós da Zona da Mata Mineira, por coincidência, escutando Almirante narrando a vida do Poeta da Vila (Isabel) e apresentando, de entremeio, composições do moço carioca, que cascou no cerrado o mais depressa que conseguiu... E o menino interiorano não tinha ainda rádio em casa. Toda quarta-feira, de noite, pedia à mãe para ir escutar na casa da irmã o programa que o tinha fisgado e o irá moldar, esteticamente, pelos tempos vindouros... E ele também cantava, quase em silêncio, para decorar as letras do Poeta da Vila...
"Quem acha vive se perdendo / por isso a agora vou-me defendendo / da dor tão cruel de uma saudade...
 Quando o apito da fábrica de tecidos / vem ferir os meus ouvidos / eu me lembro de Você...
Nosso amor que eu não esqueço / e que teve seu começo / numa festa de São João...
 Pra que mentir, / se tu ainda não tens a mania / de toda mulher... / se eu sei que gostas de outro / que te diz que não te quer...
E aquele menino, que nem tinha rádio em casa, ficava, antes de dormir, de ouvido fora do travesseiro, antenado, para captar algum raro rádio que trasmitisse algum samba do Poeta da Vila, e ele pegasse mais algum verso para completar o que até então tinha decorado...E conseguia. E sem querer, por simples coincidência, afinava o ouvido numa cadência...
Logo depois, ele ia conhecer Castro Alves...  Auriverde pendão de minha terra / que a brisa do Brasil beija e balança...

https://mail.google.com/mail/u/0/images/cleardot.gifA cabeça não cabia tanto, e o menino ia entulhando a fala nacional num ritmo, num envolvimento, numas estruturas, numas expressividades, nuns encantos, nuns encantamentos, e ele também começava a imitar e chamar de poemas... para seguir menino.
PM, 28-10-2012

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