Escritores esquecidos, desmazelo cultural
(Valdivino Braz)
Sou seguidora do blog Literatura sem Fronteira do conceituado escritor cearense, Nilto Maciel por quem tenho a maior admiração (http://literaturasemfronteiras.blogspot.com.br/). O tema que repasso, copiado do blog do Nilto é de grande importância. Como diz o autor do texto Valdivino Braz, trata-se de um "desmazelo cultural" o que ocorre em nosso país: a desvalorização do escritor e seu legado. Claro, "Nilto
Maciel levanta a lebre dos autores ignorados, como também da literatura
esquecida, e não para que seja morta, como nas caçadas, mas sim para ser
revivida, e não também que esteja morta, estando viva. Um
tiro certeiro, digamos assim, de Nilto Maciel. No alvo da acomodada consciência
cultural brasileira."
MTP
“Você conhece Moreira Campos? Já leu
algum livro dele?”. Recebo, por meio de e-mail, estas perguntas do amigo e
primoroso escritor Nilto Maciel, imbuído de oportuna, pertinente pesquisa “para
mostrar o quanto ignoramos nossos escritores menos divulgados pela mídia, pela
Academia, pelas editoras, etc.” Com efeito, agora que se apruma a questão,
volta-nos à memória o nítido nome de Moreira Campos, a exemplo de outros que
vão sendo insidiosamente esquecidos ou simplesmente ignorados.
Aponham-se o débito editorial, a omissão das Academias de Letras e outras instituições (universitárias, inclusive) ou entidades culturais, como (sejamos francos) a UBE nacional e suas seccionais, além dos próprios escritores, ocupados consigo mesmos, zelosos de suas “carreiras literárias”, senão que apenas indiferentes à questão dos colegas na berlinda ou carruagem do tempo. A saber-se até onde sobreviverá a memória literária sob a tutela dos confrades. E como acudir a todos, a tantos, a quantos, na poeira do tempo, nos desvãos da desmemória?
Claro, há o fator tempo, os anos que
passam e germinam o musgo ou a pátina do esquecimento, a par com o volume de
valores emergentes e também o enxurro e a mesmice de obras de baixo teor ou
mediana qualidade, nacionais e estrangeiras, que incrementam a dinâmica do
mercado editorial e alimentam-lhe a ganância. Frenéticas, as editoras exploram
o filão e abocanham o lucro, impondo aos autores nacionais as suas míseras
condições de acolhida e comercialização.
Mas há, sobretudo, um certo desmazelo
cultural no País, inerente ao resgate de autores valiosos, de ontem e de
sempre. O descuido, a negligência, a ignorância. E quase ninguém se manifesta a
respeito, não se faz nada de produtivo e necessário neste âmbito cultural, daí
a pertinência da iniciativa de Nilto Maciel. Não deixa de ser também um gesto
solidário, por solitário que seja, entreabrindo a cortina do silêncio e da empoeirada
e surda indiferença.
A pesquisa de Nilto começa por sua
terra-natal, o Ceará, com Moreira Campos, e bem sabe ele da extensão do
problema a outros estados brasileiros. Uma certa mídia por vezes sacana
(canalha, mesmo), de alguma forma irresponsável, babujando (babando,
corrompendo a noção de valor) sobre obras-abobrinhas, chinfrins, ou meras e
momentâneas mercadorias, de rápido consumo. Supervalorizando algumas baboseiras
estrangeiras, entretenimento de cunho imediato, feito “fastfood” (Coma!, coma!),
sobretudo para o ingênuo consumo jovem ou de um público desinformado,
desprovido de senso crítico, até beirando o ridículo. Entupidos de “comida” do
entulho “cultural” alienígena, já não bastasse o entulho doméstico, e
comporta(mentalmente) idiotizados por maneirismos estereotipados, numa repetida
forma de fuga ao natural de si mesmos.
Coisas da indústria cultural de massa
(como se diz) e de entretenimento, (re)pasto para o rebanho automatizado,
movido a gasolina, adrenalina, estrogênio e testosterona. Ops!, que agora estou
extrapolando, e me desculpo, que a coisa também não é bem assim, sendo até “natural” que seja como é, e já
também por termos sido (nós, os antigos) o
que hoje nos desagrada ao olhar. E o que vemos? Espelho, espelho meu,
como você é feio! Franqueza honesta, como essa agora, não faz mal a ninguém. E
por ser assim a “naturalidade” das coisas, tais como são, imagine-se se aqui eu
começasse a falar de outros tipos de “combustíveis”, nefastos estimulantes à
degradação, e maior o problema social, o contingente humano à míngua de
assistência do poder público. Bem entendido, seria uma droga que eu assim
falasse, pois não? Mas é disso que estou falando! (das drogas), e não estou
copiando bordão de comediante “stand up” na TV, que já copiou de outros,
possivelmente de algum filmeco norte-americano.
Por outro lado, amesquinha-se a mídia
provinciana e já não divulga (ou divulga mal, até subestimando) os escritores
emergentes, de qualidade promissora. E novos autores ou aqueles que vão se
firmando com a literatura, ainda enfrentam a humana pequenez de uma gente miúda
(da mídia impressa e televisiva), que se pauta por meras idiossincrasias e
boicota a divulgação. A média, a mídia, o meio, a medida, à média luz. Os
diversos meios de comunicação e difusão sociocultural, aos quais se agrega a
frenética informação digital. A Rede. Ou pega-moscas?
Editoras há tão-somente esfomeadas por
novidades de momento, ávidas de lucro (certo, estão no ramo e não vão perder a
oportunidade), e por aí relegam ao limbo boa parte da nossa riqueza literária.
E ainda as Academias de Letras, confrarias girando em torno dos próprios
umbigos, sem maior zelo pelo acervo literário de qualidade — sem falar que,
lamentavelmente, acolhem como membros algumas pessoas pouco recomendáveis ou
representativas (políticos de caráter nada ilibado, por exemplo), e até bruxos
escritores de pastiches, com mercado garantido, em detrimento de literatura
mais qualitativa.
E por acaso se pensa que esse público
que mal lê e essa parcela de juventude alienada estejam se importando com isso?
Estão se lixando, como de praxe. Mesmo porque os tempos são outros, e os
escritores em questão são antigos, alguns dos quais não serão resgatados,
infelizmente. Permanecerão lá onde se encontram, no limbo, de fato ignorados,
esquecidos ou pouco lembrados. Oh, tempos! Oh, costumes, diria Cícero, que foi
degolado e cuja cabeça e mãos foram expostas na tribuna do Senado de Roma, do
qual era porta-voz. Morto a mando do cônsul Marco Antônio, seu rival político.
Já por primeiro, o governo de cada
estado, bem como o Ministério da Cultura, têm parte na cadeia de omissões para
com os escritores esquecidos, ou não? Ocorrem-me, a propósito, nessa questão de
resgate literário, aquelas antigas publicações ou co-edições de livros pelo
INL, ou também não? Imperativo o resgate e cultivo de autores como Francisco
Carvalho (da Academia Cearense de Letras) e tantos outros de bom quilate e
calibre, todavia olvidados.
Particularmente meio que enfarado com o
enxurro e mesmice atual — ressalvadas as exceções —, e mais seleto com as
leituras, venho buscando os sebos, (re)adquirindo obras e retomando leitura de
alguns autores que aprecio, tais como José Condé, Adonias Filho, Ricardo
Guilherme Dicke (acabei de resgatar o romance “Caieira”, edição antiga), Herberto Sales, Hermilo Borba Filho, José J.
Veiga (contos de seus dois primeiros livros, que eu não tinha mais). E
(acredite!) somente agora adquiri e vou ler o premiado romance “Emissários do
Diabo” (edição de 1974) do pernambucano Gilvan Lemos; também dele, e com
tamanho atraso, intento encontrar a novela “A noite dos Abraçados”, pelo menos.
Estou em busca de reaver obras de Valdomiro Silveira, Autran Dourado e outros
nessa linha do meu agrado. E agora que Nilto Maciel buliu no baú, sairei a
campo(s) pelas obras de Moreira.
Deste autor cearense (traduzidos para o inglês, francês, alemão, italiano e hebraico), já
uma vez, há décadas, tive em mãos o livro de contos “O Puxador de Terço”, que
pretendo reaver. Sei de outros títulos de sua autoria, também em volumes de
contos, como “A
Grande mosca no copo de leite” e “Dizem que os cães vêem
coisas” — aprecio títulos assim; a arte de um livro começa pelo bom
título, chamariz para a leitura, sobre uma capa igualmente sugestiva. Além dos já citados, interessa-me ler “Vidas
Marginais” (1949), primeiro livro de Moreira Campos, e daí “Portas Fechadas”,
“As Vozes do Morto”, “Os 12 Parafusos”, entre outros. Bem se vê que Nilto
Maciel levanta a lebre dos autores ignorados, como também da literatura
esquecida, e não para que seja morta, como nas caçadas, mas sim para ser
revivida, e não também que esteja morta, estando viva. Um
tiro certeiro, digamos assim, de Nilto Maciel. No alvo da acomodada consciência
cultural brasileira.
Como tema para reflexão, fecho este
arremedo de ensaio com as palavras de Gilvan Lemos, que dizia não deixar Recife
por dinheiro nenhum do mundo, a não ser que fosse para voltar ao São Bento do
Una, que ele tinha como o seu paraíso: “Tenho amigos escritores, mas não faço
vida literária, isto é, não pertenço a nenhum ‘grupo’, nenhuma academia, não
tenho coluna em nenhum jornal etc. Prefiro criar canários de briga.”
É isso aí, creio. Publique-se e dê-se
livre trânsito pelas cidades, a quem interessar possa.
——
Valdivino Braz é jornalista, escritor e
secretário-geral da União Brasileira de Escritores – Seção de Goiás.
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