A morte em vida
José Bento Teixeira de Salles
Certamente ele não era da raça dos heróis, como cantou o poeta. Pelo contrário até. Era a própria imagem do homem vencido pela vida, embora mostrasse ainda resquícios de uma outra existência, mais feliz e pródiga. Já entrado na idade dos sofrimentos, perambulava pelas ruas da Serra com vagar e alienação. De lisos cabelos cuidadosamente penteados, vestia sempre um velho e roto paletó de couro, que lhe emprestava ares de antigas posses.
Não era propriamente um mendigo, mas andava à procura de restos nas latas de lixo, olhar perdido na distância, longe de nossa mesquinha condição humana.
Seria talvez herdeiro de uma pobreza envergonhada e reagia assim, como se eu tivesse culpa de ser ele tão infeliz. Logo eu...
Quase todas as manhãs eu o via perambulando pelas ruas do bairro em busca da felicidade perdida. Só e triste, vencido pela vida.
Certo dia passou por ele uma jovem levando pela correia um belo e bem tratado cachorro. Impassível, seu olhar pousou no cão, que se mostrava luzidio e garboso, bem alimentado e forte. Saía, talvez, de um salão de beleza no veterinário da esquina.
Indiferente, o homem seguiu em frente e procurou, no lixo, alguma coisa para comer, como se fosse pobre vira-lata à procura de sua subsistência.
O tempo passou. Noites e dias transcorreram, na monótona rotina da vida. E ele sempre a perambular pela manhã, passinhos curtos e alienados, como se não tivesse ainda encontrado a felicidade.
À certa altura, ele deixou de percorrer os ínvios caminhos que o destino traçara. Desapareceu para sempre de minha vista cansada.
Sua morte, talvez, vencera a vida.
José Bento Teixeira de Salles é advogado, homem público e escritor.
marthapezzini@gmail.com
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http://marthatavaresspf.blogspot.com/
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