sábado, 22 de dezembro de 2012

Carta de um Escritor - Márcio Almeida







Carta de Márcio Almeida a Paschoal Motta:
Uma análise da desvalorização vivida pelos escritores que “já foram premiados, serviram de exemplo e dignificaram o Estado.” Ainda, a preocupação com a  possível extinção da Literatura num futuro não muito distante
 MTP



Meu caro Paschoal,

NÃO PANFLEITEIE IDEOLOGIA,
NÃO HOLOGRAFE EM ATARI,
NÃO LOVERSONHE AS MARAS,
NÃO PALAVRE: SIGNATARI.
(Márcio Almeida, Assassigno, 1987)

Em homenagem ao Décio Signatari, para quem o poema é o designer da linguagem, que conheci em evento, quase um fracasso absoluto, em Bh, juntamente com Carlos Ávila, que também perdeu o pai faz pouco tempo,
escrevi a quadra acima, inclusa no Assassigno, cujo revival agora está de volta na publicação Leituras Indesejáveis, que você receberá esta semana.
Outro dia você me enviou um e-mail que também me deixou um tanto perplexo. É que as pessoas boas vão morrendo, os jornais mal e porcamente registram e rapidamente caem em profundo esquecimento quando não no silêncio cínico, caso dos nossos Henry,  Adão,  Duílio,  José Afrânio e tantos outros que se vão e pronto. E assim será, com toda certeza, também conosco.
Temo por absoluto ostracismo em menos de uma década após a nossa morte. Meus filhos nunca me perguntaram o que estou produzindo, nunca leram artigo meu publicado em jornais, não conversam comigo sobre Literatura, nunca me perguntaram sobre a qualidade de um livro que lêem. Amanda já anunciou que quando eu morrer vai dispor da minha biblioteca em dois tempos: a chegada e a saída do caminhão para doar tudo para uma entidade. Isto, comigo. Não tenho referência se existe uma biblioteca com o nome do Adão que o reverencia, idem com o Henry e assim sucessivamente.
O neoliberalismo com sua forçada equiparação "por baixo" faz com que as pessoas se achem todas no mesmo nível e assim todas se dão o direito de serem rigorosamente iguais em tudo. Dia desses quase rompi com um amigo porque ele estava espalhando via internet que para produzir mini conto o conhecimento da gramática era inútil, desnecessário. Sou pessimista em relação à sobrevivência da Literatura no futuro-já, mormente com a expansão do tablet e você lerá eu  já tratando do assunto em Leituras Indesejáveis. As pessoas (bem menos do que hoje) continuarão lendo, mas textos curtos, impactantes, encomendados. O que chamamos de Literatura tornar-se-á cult, arte devocional de apreciadores muito especiais. É um palpite.
Sem uma Sociedade dos Poetas Mortos, sem uma Sociedade que se nos lembre a todos, indistintamente, além  de virarmos pó, nossos nomes serão apagados de quase tudo. Seremos lembrados historiograficamente: ou porque, no seu caso, foi editor do SLMG (Suplemento Literário do Minas Gerais), ou porque foi professor de uma faculdade em DV, ou porque nasceu em São Pedro dos Ferros e construiu uma biblioteca. Quantas pessoas se lembrarão de um poema nosso? E quando essas pessoas morrerem? Lembra-se do filme Farenheit 451, do François Truffault? Não é à toa ser ele um dos meus prediletos. Sou mesmo veementemente contra academia, mas ela tem uma vantagem: respalda vida e obra dos autores; conserva sua memória. vira e mexe, traz à tona o legado daqueles que realmente têm valor.
Outro dia li na Folha de S. Paulo que amigos cariocas do Bartolomeu Campos de Queirós iam prestar homenagem a ele no Rio, com exibição de documentários, exposição de suas obras etc. Está claro que sua morte ainda é recente, mas foi lembrado. Dinorah Maria do Carmo me enviou e-mail ontem à noite convidando para a leitura de poemas de Bueno de Rivera em Santo Antonio do Monte, que também está sendo lembrado.
Na minha opinião o que falta é mesmo uma entidade que preserve a memória dos autores, não os permita serem esquecidos, os mantenha vivos para os pósteros,  pois em vida foram lidos,  premiados,  serviram de exemplo, dignificaram o Estado.
Abraço - Márcio Almeida

TEMOS, Márcio, muito que fazer nesse preservar a presença ativa de nossos poetas. HÁ MUITO que fazer para divulgação de poemas de qualidade. HÁ MUITO que fazer e principalmente pela humanização da Poesia Escrita começando com a retomada do lirismo.
VOU repassar seu texto.
PASCHOAL MOTTA

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