Regina Araújo |
Na casa de meus avós tinha uma mesa de canto que era conhecida como Marquesa... redonda, pés um poucos curvos, porém elegantes e garbosos. Exibia sua imponência no canto da sala de visitas, com direito a forro de renda de bilro e jarro de flores colhidas no jardim da casa.
Fora construída por meu avô; era costume na época o noivo talhar a madeira e criar todos os móveis para o futuro lar. E assim ele fez... em tudo um toque de elegância, porém paradoxal simplicidade e sobriedade emergiam de tudo o que fizera. E, nada é eterno, todos sabemos... desgastam-se o corpo físico, a mente, os bens imóveis e os móveis também.
Por duas vezes minha avó reclamou que a "Marquesa" estava mancando (um pé estava gasto) . Meu avô tentou consertar... mas pareceu-me que ela queria mesmo era continuar como estava. E incrível cumplicidade havia se estabelecido entre eles... notei.
Inexorável o tempo... quando jovens atraímos em um primeiro momento pela beleza exterior. Chegados os tempos em que a idade avança, outras belezas que, cultivadas ao longo de nossa caminhada, passam a ser o nosso referencial.
E assim procedia a Marquesa... estava cansada de ser bibelô, admirada apenas pela sua beleza e imponência. Invejava, quem sabe, o banco que reinava na grande cozinha com toda sua rústica simplicidade.
E, não tinha jeito : mexia daqui, mexia dali, e a Marquesa resoluta, continuava a "mancar".
Certo dia meu avô passou afobado pela cozinha... segui-lhe os passos e a expressão. Rumou para o fogão de lenha com a Marquesa aos pedaços, o machado nas mãos. Apenas disse em alto e bom tom que na vida tudo tem princípio, meio e fim. E ainda completou, profetizando: “ quem não quer ficar de pé e teima em viver mancando , daqui uns dias estará de joelhos ou estatelada no chão frio." Então, terá mais serventia como lenha que aquece e aviva o fogo do que papa fina de cupins, que certamente a espreitam. Quer ocaso mais triste ?
Era assim que resolvia as coisas que sinalizavam não ter ou querer conserto... ou com o que ele pressentia que um dia perdera o encanto e a utilidade. Considerou que arder no fogão de lenha e aquecer a serpentina seria mais digno para a imponente e tão querida "Marquesa" do que estatelar-se ao chão, vencida pelo tempo.
Pareceu-me radicalismo , tanto que chorei muito neste dia... não só por causa da Marquesa mas também pelo que considerei ser submissão de minha avó em não interceder por ela.
Mas o andar da vida fez-me entender muitos porquês; inclusive que na vida desvencilhar-se e praticar o desapego são muitas vezes questão de sobrevivência e evolução.
E que o desapego é questão de maturidade a aprendizado... afinal a vida é mesmo uma escola constante.
Onde as perdas são necessárias para o simples ganho de sabedoria e do sobreviver, apesar de...
O meu muito obrigada pela oportunidade de ter um "escrito" publicado em seu blog. Sem palavras.
ResponderExcluirQuerida Regina mande quantos quiser. Além dos seus, pode mandar dos seus autores preferidos e também seus comentários e críticas, que são muito bons! Abraço
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