Crônica de um poeta falando da sua iniciação lírica ouvindo o Poeta da Vila, nos "cafundós" da Zona da Mata, ou melhor, em São Pedro dos Ferros!
MTP
DE UM
DIÁRIO OCASIONAL
Estou em São Pedro dos Ferros. Tem um bar perto e vez por outra vou
lá tomar algumas, papear e jogar sinuca... De noite, calor, quase 23 horas.
Aí para um carro, e o motorista se integra a amigos dele na calçada. E, para
variar, liga o indefectível "som" e, para não perder o costume, a
todo volume com dessas "músicas" que dominam e bombam audiências...
E, para ficar tudo de conforme,o filhote do paizão canta a toda goela com o
"cantor" do som do carro. A educação musical também deve ser de berço... Eta ferro! Tinha
de ver o entusiasmo do pequeno ferrense: "... ai que vontade de morrer
/ se eu não ter seu coração / se não quer me amar...
O menino, uns 10 anos, no máximo, gritava ao pai,
gritava para mostrar que ele também sabia fazer bonito, enquanto tomava
fôlego... Penso com meu copo de cerveja: isso é no Brasil, do Oiapoque ao
Chuí...
Cortar para outro menino, também de dez
anos, lá nos cafundós da Zona da Mata Mineira, por coincidência, escutando
Almirante narrando a vida do Poeta da Vila (Isabel) e apresentando, de entremeio, composições
do moço carioca, que cascou no cerrado o mais depressa que conseguiu... E
o menino interiorano não tinha ainda rádio em casa. Toda quarta-feira, de
noite, pedia à mãe para ir escutar na casa da irmã o programa que o tinha
fisgado e o irá moldar, esteticamente, pelos tempos vindouros... E ele também
cantava, quase em silêncio, para decorar as letras do Poeta da
Vila..."Quem acha vive se perdendo / por isso a agora vou-me
defendendo / da dor tão cruel de uma saudade... /// Quando o apito da fábrica
de tecidos / vem ferir os meus ouvidos / eu me lembro de Você... /// Nosso amor
que eu não esqueço / e que teve seu começo / numa festa de São João... /// Pra
que mentir, / se tu ainda não tens a mania / de toda mulher... / se eu sei
que gostas de outro / que te diz que não te quer...
E aquele menino, que nem tinha rádio em casa,
ficava, antes de dormir, de ouvido fora do travesseiro, antenado, para captar
algum raro rádio que trasmitisse algum samba do Poeta da Vila, e ele pegasse
mais algum verso para completar o que até então tinha decorado...E
conseguia. E sem querer, por simples coincidência, afinava o ouvido numa
cadência...Logo depois, ele ia conhecer Castro Alves... Auriverde
pendão de minha terra / que a brisa do Brasil beija e balança...
A cabeça não cabia tanto, e o menino ia entulhando
a fala nacional num ritmo, num envolvimento, numas estruturas, numas
expressividades, nuns encantos, nuns encantamentos, e ele também começava
a imitar e chamar de poemas... para seguir menino.
PM, 28-10-2012
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