quinta-feira, 5 de maio de 2011


JOGAR BRIGDE
Geraldo Reis

eu e a rainha
nunca fomos jogar bridge às margens do Rio das Velhas
a rainha era triste
e eu inventava tristeza de menino abandonado
eu tinha os olhos perdidos à beira do cais
as mãos ancoradas numa espécie de porto sem navios.

eu e a rainha - que tristeza -
nunca fomos jogar brigde às margens do Rio das Velhas
nunca tivemos um fim de noite depois de uma sessão de gala
nunca nos escoramos na carne viva após a tempestade
nunca soubemos de nossas predileções além de um copo d'água
eu e a rainha nunca soubemos
mais do que um copo dágua de predileções

e ela nunca me contou estórias de dormir
ou conheceu comigo quartos de pensões
e ela nunca me embalou com sua fala de sereia
nem nunca me seduziu com seu corpo de surpresas
e eu daria tudo por uma partida de bridge
pela madrugada
dentro dela
mas ela não sabia nem jogava bridge

eu e a rainha não pudemos conhecer nossas predileções mais íntimas
e imaginamos viagens através de nossos rios
imaginamos viagens através de nossos campos
e apenas batemos palmas à porta de nossas alegrias

ela bordou deveras uma cascata ao longo do vestido
e eu tantas vezes sonhei dormir naquelas águas
mas nunca jogamos bridge ao longo dos horizontes
e ela fitava os horizontes mais que tudo
demorava um dia todo à beira d'água

e eu me sentia
mais por isso
irmão das águas
o irmão menor de todos os rios do mundo.

(Extraído da ANTOLOGIA POÉTICA II, Interlivros de Minas Gerais Editora / 1977 - pág. 56 / 57).

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