terça-feira, 19 de abril de 2011

Belo Horizonte, abril, 2011.



TIRADENTES COMPREENDIA A REALIDADE DO PAÍS
Livro revela aspectos dos ideais do inconfidente



O Brasil celebra os 219 anos do enforcamento do Alferes Tiradentes (Rio de Janeiro, RJ, 21-IV-1792), como principal envolvido no movimento político mais conhecido por Inconfidência Mineira para livrar o Brasil do domínio colonial português. Aqui, um trecho do livro Eu, Tiradentes, nestas comemorações do 21 de Abril, em homenagem ao Mártir da Independência do Brasil e Patrono Cívico da Nação Brasileira, conforme a Lei 4897, de 1965.
Joaquim José da Silva Xavier nasceu em 1746, na Fazenda do Pombal, perto do Arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, entre a Vila de São José, atual Cidade de Tiradentes, e São João del-Rei.
     
Nesta oportunidade, um trecho de uma das consideradas mais signicativas publicações sobre o Tiradentes.

                         “

Saído aqui deste Oratório, caminho indo para o patíbulo, limpo de medo, culpa no espírito; sem pavor, sem temer, sem tremura. Antes jamais, por que agora? Vira tudo definido, definitivo, na consciência clareada, canto a canto. Haverá coroar esta cabeça meu sacrifício, em antes ela tão confusa, ansiosa, afoita, num redemunho de procedimentos, não arredando pé no indeciso, no desatino; matando fome a faminto, sede a outro, pondo certeza na dúvida dum aqui, outro ali, desabrido, desavisado. Agora, tudo clareia. Quero, preciso, sonho com isto: padecimento deste corpo no enforcamento já medra quantia de peso no preço do desígnio duma batalha, no peito de cada qual deste nosso País, mesmo com escândalo a empertigado reinol, impertinente, de prosápia, renitente nobreza. Desencadeia sangue  deste corpo aberta guerra dentro das cabeças, com tiro certeiro, acima dum estrondoso bacamarte, carregado té na boca, capaz de esclarecer viciada treva, imposta por mando, força. Daqui a horas, padeço morte na forca em causa, no efeito, de pôr empenho da subida na vida, tal qualquer filho devesse haver direito; desejar sem vexame esta terra, ela tão sem fim, verde, rica, buliçosa, cantante, gemente, cheirosa, macia.
  Agora, aqui aboletados,  distante do olho da guarda, mesmo com estes ferros, nesta conversação sem impedimento, ainda por cima eu sabedor que qualquer  companheiro condenado a pena inferior, não mais máxima, há tantos meses aguardada; livres dela todos eles, meu coração sorri num alívio, ânimo acalmado. Preciso ir, vir, enquanto falo,  senão fraquejo perna na subida dos degraus do patíbulo; não demonstrarei mínima insegurança, para escárnio, júbilo de quem se livrará desta língua. Em acima de três anos, conduzi ânimo nessa direção, não para glória pessoal, sim exemplo a companheiros, povo.
Para distantes, inóspitas paragens viajam em breve data nossos companheiros de ideal: lá conseguem reconstruir a vida despedaçada, imagino, calculo; conseguem reconstruir tudo destroçado no sentimento. Quem sabe? Regressem ao Brasil, assistam, corpo presente, clarear feliz dia para as gentes. Repito: minha morte, para eles do infame governo, violenta para Vossas Mercês, diversos partidistas, não me surge com medo, mas luzente farol para vindouro tempo, farol neste mar ainda ponteado de pedra, coberto de escuridão, brabo, agitado vento; este chão de urze, espinho, flor e festa, dor e alegria. Vai nascer aurora desejada, calor, sossego, carinho, felicidade, fartura.
Padecimento na forca: dele, dela careço referir amiúde na provocação de intimidade; haverá constituir fortaleza em frente da opressão, violência; revoltar em demasia brasileiros, pois fome, sede conhecem limite, tempo, duração. Ninguém lá fora no claro do Sol notará neste corpo sequer nervoso pisco de olho, tremura de um dedo, assustada cara, tirante esta que sempre mantenho por natureza de nascença. Durante inteiro tempo demorado no segredo da Ilha das Cobras, depois no Convento dos Frades, repito, enfiava nesta cabeça uma determinação: não oferecerei gosto a executores da pena em mim inculcada, em nome, lugar dos outros inconfidentes; a eles não darei gosto, sabor de vitória. Perceberão governadores estrangeiros desta terra: liberdade tarda, mas não falta. Aqui, posso suavemente desabafar, de puro alvedrio, este orgulho, esta certeza, esta destinação, em tal altura da madrugada, quando companheiros, aliviados da máxima pena, dormem tranqüilos, coração festejado, enquanto componho, esclareço rascunho duma história, sem freio na língua; este projeto de Vossas Mercês é bem fortuna para futuro. Ainda por cima, por pessoal turno, acabo assim com uma falta de falar, discutir, revelar pensamento, no que sempre me aprazei; passo disperso do resolvido, respeitante destino; enfim, sou escutado na inteireza duma declaração.
  Não imagino nem calculo como não projetei estudar para padre no Seminário Nossa Senhora da Boa Morte, em Mariana, feito  Domingos e Antônio, irmãos. Púlpito me não haveria minguar. Mas quê? Não reclamo sorte: sou o que existi, nunca disfarço, feito dito para aí em escrito tintim por mão de Vossas Mercês, no preciso de minhas exatas palavras, sem tirar, nem pôr; representa refrigério, nesta derradeira madrugada, pelo que em tamanha satisfação de reconhecimento aperto suas abençoadas mãos.
  Diviso clarão da Lua bem em cima, no zênite do firmamento, clara, quase semelhado dia, tanto capaz de apagar metade do brilho absurdo de tanta estrela coalhada no Caminho do Leite, dita Via Lactea. (...)

                                                

(de EU, TIRADENTES, Paschoal Motta,  3ª. ed., Editora Lê, Belo Horizonte, 1992)


Conforme informações do Autor, o original  de EU, TIRADENTES teve 3 edições, está livre de contrato e à disposição de editoras para uma 4ª edição.








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